Almanaque Desportivo do Distrito de Aveiro 1950, pág. 4B.


Mário Duarte

VAI sendo tempo de escrever a completa biografia de Mário Duarte, uma das figuras mestras do desporto nacional, tão grande que, transcendendo as laudas da História, anda nos braços da própria lenda...

Mas se tal biografia está ainda por traçar, ela não cabe também nas minguadas fronteiras de uma simples página deste Almanaque.

Em 1905, «Os Sports», baseado num plebiscito aberto em suas colunas, proclamou Mário Duarte o desportista mais completo de Portugal. Esta vitória, síntese perfeita, e assim há que considerá-la, de todos os notáveis triunfos do excelso pioneiro, exprime a categoria que ao tempo se lhe conferia. Vivo fosse Mário Duarte e, a repetir-se agora o plebiscito, outro, temos a convicção, não seria o eleito. Bastava apenas que à votação, hoje como ontem, presidisse um recto sentido de justiça.

Praticante eclético, organizador infatigável, jornalista quando mais se tornava necessário, pro­curou sempre inovar, dinamizando irresistivelmente a juventude. Cabe-lhe implicitamente a honra ­e a glória — de haver desempenhado capital papel na evolução do desporto português, dos hábitos da gente portuguesa, nomeadamente na última década do século XIX e na primeira do actual.

No nosso Distrito, foi o primeiro no tempo e continua a ser, insofismavelmente, o primeiro em grandeza. Durante largos anos, Aveiro, por obra sua, foi, depois de Lisboa, o primeiro centro des­portivo do país. Remo e futebol, ciclismo a natação, ténis e golfe, tiro e luta greco-romana, esgrima e pesos e alteres tinham em Aveiro e sua região um pequenino empório.

Incansável leitor da imprensa desportiva estrangeira e singularmente predestinado, não impro­visava, antes traduziam plena consciência, amplo sentido construtivo, as suas iniciativas.

À modelar instalação do Ginásio Aveirense, em edifício para tal fim construído no século XIX, e onde recebiam lições, sob vigilância médica e dirigidos por competentes professores, não só os sócios do Clube mas classes do Liceu e das escolas primárias, é frisante exemplo.

Mário Ferreira Duarte nasceu em Anadia a 7 de Abril de 1869. António Nobre, no «Só», no-lo diz:

«O que, ainda mais, nesta Coimbra de Salgueiros
me vale, são os meus alegres companheiros
de casa. Ao pé deles é sempre meio dia:
para isso basta entrar o Mário da Anadia.»

 

Por volta de 1892, veio para Aveiro, que elegeria sua terra pelo coração e onde veio a falecer a 9 de Dezembro de 1939.

Como tudo leva a supor, logo em 1893 fundou o Grupo Futebolista Ilhavense e o Ginásio

Aveirense, este com secções de futebol, esgrima, remo, ciclismo e tauromaquia. Mais tarde, em 1924, seria o «iniciador do movimento para a fundação da Associação de Futebol de Aveiro».

Praticante, foi campeão nacional de ciclismo, amadores, em 1896 (Vila do Conde) e 1898 (Lisboa); fez parte da primeira equipa de tenistas que, capitaneada por Guilherme Pinto Basto, seu grande amigo, se deslocou à Madeira nos fins do século passado; em futebol, capitaneou a turma de Aveiro (Ginásio), que empatou com a do Porto por 1-1 e, posteriormente, em 1897 salvo concludente prova em contrário, perdeu com a do Real Velo Clube do Porto, em Matosinhos, fazendo os aveirenses a deslocação em bicicleta; nadador, participou na primeira competição levada a efeito em Portugal (Baía do Alfeite, 1906), classificando-se em 5º lugar; primoroso toureiro amador, distinguiu-se como cavaleiro e principalmente como bandarilheiro. Na grande corrida efectuada no Campo Pequeno, em 1898, por ocasião do Centenário do Descobrimento da Índia, brilhou a altura extraordinária em competência com toda a fina-flor da tauromaquia portuguesa; frequentador assíduo do Pavilhão de Tiro aos Pombos da Tapada da Ajuda, defrontou bastantes vezes, e venceu algumas, o próprio D. Carlos, considerado um dos melhores atiradores europeus. Obteve clamorosos triunfos na modalidade, conseguindo inscrever o seu nome entre os de D. Carlos e D. Luís Filipe na taça oferecida pelo rei de Inglaterra, Eduardo VII.

Como dirigente, acompanhou ao Brasil, em 1913, a primeira embaixada oficial do futebol por­tuguês. Vários anos presidente ao Congresso da F. P. F., acompanhou selecções nacionais à Espanha e à França.

Palaciano, amigo pessoal de D. Carlos, que via nele um campeão quase invencível, se andou de braço dado com a nobreza do seu tempo, andou sempre também de braço dado com o povo, que o estre­mecia e o fez entrar nos diáfanos umbrais da lenda, uma vez que já transpusera os da História.

Carácter admirável e coração nobilíssimo, dele escreveu um dia Francisco Duarte, seu filho e dilecto discípulo como Mário e Carlos Júlio: «Ensinou-me e a meus irmãos a perder sem azedume ou a ganhar sem ofender o vencido.»

Simplesmente, não limitou a lição, que vale áurea legenda, a seus filhos: — Proclamou-a, sem desfalecimentos, durante a vida inteira, a toda a juventude de Portugal.


 

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