As "Terras do Céu"

Um ponto luminoso que segue pelos caminhos do infinito na esteira do Sol é o planeta Mercúrio

Mundo fabuloso, onde vivem

os «adoradores do Sol»

Por CÉSAR DOS SANTOS

Quando a escuridão da noite começa a evaporar-se e um rubro clarão doirado esbrazeia o horizonte, pouco antes de surgir o Sol, ou depois do desaparecimento do astro, já com as últimas claridades a esvaírem-se, brilha, algumas vezes, no Céu, a Nascente ou a Poente, uma pequena estrela de luz branca, com um leve tom róseo, a que os Gregos chamavam Apolo, o Deus do Dia, ou Mercúrio, o Deus dos Ladrões, que se ocultam na treva para executarem as suas proezas.

Como os antigos acreditavam tratar-se de dois astros distintos, um de manhã, outro de tarde, assim, para os Egípcios, era Set e Hórus, como para os Hindus era Buda e Rauhineya – as suas divindades do dia e da noite.

Quando, porém, a misteriosa estrela foi identificada como sendo um planeta, isto é, um Mundo semelhante ao nosso, subsistiu o nome de Mercúrio; e, governado pelo deus mitológico, ele prossegue na eterna jornada, acompanhando sempre de perto o Sol, que o oculta na seu deslumbrante esplendor.

Sem contar os asteróides, que se movem entre Marte e Júpiter. Mercúrio é o mais pequeno dos planetas do nosso Sistema Solar e o mais próximo do astro central, que lhe envia, por isso, sete vezes mais luz e calor do que à Terra.

Porque a sua órbita é, também, interior à do nosso Globo, Mercúrio, visto por nós sempre nas proximidades do Sol, nunca nos aparece durante a noite e apenas ao despontar da manhã, ou ao crepúsculo da tarde.

O homem que, numa das futuras viagens interplanetárias, partisse da Terra em direcção ao Sol, no obus atómico, o qual, segundo o Prof. Robert Richard-Foy, «se parecerá mais a um navio do que a um avião, medindo algumas dezenas de metros de comprimento e pesando várias dezenas de toneladas», o astronauta que se aventurasse a escalar a estrela radiante encontraria, quase no «terminus» da viagem, depois de uma deliciosa paragem em Vénus, o planeta Mercúrio, esse nosso irmão vizinho do Sol.

É um Mundo estranho, suspenso no meio de um clarão que assombra, onde vivem, talvez, os Adoradores do Sol, aqueles audaciosos Escaladores do Céu, que, segunda a fábula, chegam a dependurar-se nos raios ardentes do astro glorioso e a roubar-lhe, até, pedaços de oiro com que enriquecem os seus tesouros.

Mas, os filósofos e os astrónomos que já têm viajado pelas Terras do Céu, falam-nos, também, dos habitantes de Mercúrio e da exótica paisagem que os cerca:

«Os Mercurianos» – diz Fontenelle – «recebem do Sol uma luz tão forte, que, se viessem à Terra, as nossos dias mais claros parecer-lhes-iam crepúsculos, e talvez nem pudessem distinguir os objectos. O calor a que estão acostumados é tão excessivo, que morreriam todos gelados no interior da África. O nosso oiro, a nossa prata, o nosso ferro derreter-se-iam naquele Mundo ardente e vê-los-iam sempre líquidos, como nós vemos geralmente a água».

«Vários autores» – refere Flammarion – «têm visto na luz e no calor que o planeta recebe do Sol condições incompatíveis com as funções dos organismos vivos e avançam que sobre Mercúrio as ervas dos campos seriam / 297 / queimadas, os frutos secos, os animais sufocados, os homens cegos; se é que fosse possível existirem homens de baixo de semelhante temperatura».

Alguns romancistas do século passado «supunham, também, saber que todas as montanhas de Mercúrio estavam cobertas de soberbos jardins, onde cresciam, naturalmente, não só os mais suculentos frutos de que se alimentavam os Mercurianos, mas a maior variedade de iguarias».

Enquanto uns apresentavam os habitantes dessas paragens escaldantes como cegos e doidos, por terem um «peso de fogo sobre a cabeça», pretendiam outros que, «estando eles mais próximos do Sol, deviam ter o espírito mais subtil e faculdades intelectuais mais desenvolvidas, serem mais Sóbrios e mais hábeis nas Artes e na indústria, pela razão de que a influência do Sol próximo é a fonte do espírito e do vigor».

«Como quer que seja» – esclarece o famoso astrónomo que encheu de poesia algumas páginas da história maravilhosa dos outros Mundos e também tinha as suas audácias de sonhador – «devemos estar certos de que ali existem seres pensantes, que estudam a Natureza, cultivam as Ciências e seguem o ciclo do seu destino, como, aqui na Terra, seguimos o nosso». «Em todos os lugares e em todos os tempos, os entes somente nascem onde a vida lhes pode ser assegurada e mantida. Assim, os habitantes de Mercúrio, a qualquer modo de organização a que pertençam, são formados segundo as condições do seu planeta e estão ali no meio respectivo». Se houvesse, por exemplo, habitantes no Sol, diz outro astrónomo, eles teriam uma estatura 426.000 vezes superior à nossa».

Com vista aos planos dos futuros excursionistas a essas regiões em fogo, poder-se-á dizer que Mercúrio constitui uma estância ideal para os exaltados, os megalómanos, os possuídos de inquietações indomáveis, os espíritos ardentes, os ambiciosos insaciáveis e todos esses que sentem os miolos a ferver, abrasados na crença de impossível, e enchem a Terra de ruínas, de desolação e de angústias.

Irão encontrar lá, talvez, génios turbulentos que incendeiam e destroem Mundos, seres irrequietos que detestam as mansões silenciosas e a suave harmonia de outras paragens celestes, Mas, possivelmente, nesse Mundo afogueado, cheio de ofuscantes claridades, não terá havido jamais qualquer tragédia semelhante aos tristes dramas de que o homem é protagonista cá na Terra, pois lá, onde todas as paixões sucumbem, nada mais é possível a qualquer ente do que adorar o Sol num deslumbramento

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A distância entre Mercúrio e o Sol, por motivo da excentricidade da órbita do planeta, varia entre 46 e 74 milhões de quilómetros. O seu diâmetro é de 4.800 quilómetros (382 milésimos do diâmetro da Terra), a «superfície de 779.250.000 miriâmetros quadrados e o volume de 64.851.000 miriâmetros cúbicos; a sua massa é apenas 0,17, comparada com a da Terra; a densidade três vezes maior do que a nossa, pelo que os corpos, quando caem à sua superfície, percorrem 5,63 metros durante o primeiro segundo de queda».

As passagens de Mercúrio diante do Sol – apenas um ponto negro «vogando num mar de chamas» – são mais frequentes do que as de Vénus, pois observam-se catorze vezes em cada cem anos, e ele só não se projecta sempre no disco solar, cada vez que passa entre o Sol e a Terra, devido à inclinação da sua órbita, que é de 7º, sobre o plano da órbita do nosso planeta.

Também como Vénus, Mercúrio apresenta-nos diversas fases, e assim o planeta oferece imagens semelhantes às da Lua – Quarto Minguante, Quarto Crescente, isto é, a face completamente iluminada ou obscura.

Duram os seus dias 24 horas, 5 minutos e 28 segundos; os anos, muito mais breves do que os nossos, têm apenas 88 dias, enquanto as estações são muito mais «rápidas e disparatadas» e não vão além de  22 dias. Dado que aquelas são muito dissemelhantes, como o planeta não se encontra sempre à mesma distância do Sol, recebendo, em certas épocas, duas vezes mais calor do que noutras, fácil é de calcular as diferenças de temperatura. Esta, no hemisfério obscuro, pode ser avaliada em cerca de 270 graus negativos, em contraste com o clima abrasador da parte exposta às ardências dos raios causticantes, bem / 298 / nas proximidades do Sol, onde a temperatura sobe a mais de 300º.

Há uma carência de atmosfera no planeta, cuja superfície é de um relevo bastante acidentado, elevando-se enormes massas montanhosas, muito mais altas do que as da Terra, embora Mercúrio seja mais pequeno do que o nosso Globo.

Há ainda um ponto capital a esclarecer, que continua em discussão, suscitada pela divergência de opiniões, mesmo as mais recentes, quanto a saber-se de positivo se o período de rotação de Mercúrio (e o de Vénus) é igual ao de translação, pois, neste 'caso, os dois planetas, tal como a Lua em relação à Terra, apresentariam sempre a mesma face voltada para o Sol.

Visto pelos instrumentos de observação, é um pequeno disco onde se notam algumas manchas. Pelas irregularidades que se observam, também, no interior do crescente ou do quarto, reconhece-se a enorme altura das montanhas, e, analisando as faces, vê-se que a linha que separa a parte luminosa da parte escura não é, às vezes, bem definida, e isso complica o problema da existência de atmosfera, que, no entanto, as recentes observações parecem demonstrar não haver no enigmático planeta.

Como, porém, a Natureza cria os seres segundo o ambiente que lhes é propício, os habitantes de Mercúrio viveriam no clima próprio, beneficiando da proximidade do Sol. Iluminados e aquecidos pela sua cintilante irradiação, deveriam até os seus astrónomos supor que a Terra não pode ser habitada, «dado o frio rigoroso e a treva permanente, num Globo tão afastado do astro gerador...

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Observado de Mercúrio, corpo celeste que reflecte extraordinário brilho, o maravilhoso cenário nocturno, da cúpula dos Céus seria semelhante ao que nós contemplamos, embora os planetas não ofereçam aos Mercurianos idêntica sucessão de movimentos. É mesmo possível que ignorem os longínquos Planetas Gigantes, desde Saturno a Plutão, pois os seus olhos, menos sensíveis e ofuscados pelos clarões do Sol, não podem, talvez, captar a claridade tão fraca que tais Mundos distantes refrangem. E mesmo as Esferas planetárias mais próximas, para além da Terra (Marte e Júpiter), afiguram-se-lhes muito mais pequenas do que a nós e enviam-lhes uma luz bastante frouxa.

Vénus e a Terra, que, durante a noite, devem parecer-lhes de grandes dimensões e extraordinariamente luminosos, apresentam-lhes alguns indícios de fases, tal como Marte observado daqui. Vénus, porém, surge no Céu com um esplendor que deslumbra e é seis vezes mais intenso do que reluz aos nossos olhos, mesmo nos períodos de vibrante luminosidade.

Depois da radiosa Vénus, a Terra seria, para os observadores de Mercúrio, o astro de maior brilho. No período em que está em oposição com o Sol, passa no meridiano à meia-noite e oferece melhor visibilidade, sob um diâmetro aparente de 20º. A vista mais apurada e penetrante, seguindo atenta o lento caminhar do nosso planeta, poderia descobrir, à direita ou à esquerda, um pequeno ponto luminoso, como uma pérola desprendida desse novelo de luz. Esse astro minúsculo é a nossa Lua.

Mas há um espectáculo formidável e único, que só é dado contemplar das alturas enrubescidas de Mercúrio – O Sol!

Não se pode imaginar, sequer, a grandeza dessa estonteante apoteose de luz, quando o Sol irrompe e envolve o pequeno planeta numa onda de claridades empolgantes.

Cresce e alastra pelo Céu um mar de fogo, de chamas alterosas, descomunais, enquanto o clarão que assombra e ofusca todas as luzes do Universo aumenta até ao infinito e transforma o cenário na colossal labareda de um incêndio fantástico. O Sol, então, parece seis ou sete vezes maior do que os olhos humanos o podem ver, e toda a energia que referve nessa imensa fornalha, toda essa claridade que ilumina e guia o destino de Mundos remotos, corre em torrentes de oiro incandescente para o coração desse fabuloso planeta, que o poeta, o nostálgico Daru, via, ao crepúsculo do entardecer, «na orla do horizonte», como «uma frouxa luz, que parecia seguir do Deus a brilhante esteira.

 

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