O MEL ALENTEJANO E AS PLANTAS QUE CURAM
Por
COSTA LEÃO
Bom velhote, o Sr. Félix! Prazenteiro, sempre bem disposto e vendendo
saúde, como se costuma dizer, sorriso brejeiro especialmente junto das
raparigas, para quem tinha, de contínuo, madrigal na ponta da língua,
por vezes picante, e para algumas, as de mais confiança ou que. mais
confiança lhe davam, o seu atrevimentozinho concupiscente – o Sr. Félix
gabava-se de, durante as suas oitenta e tantas primaveras, jamais haver
ingerido remédio de botica! Muito amigo do farmacêutico, «mas lá das
mixórdias dele, nada». Também, doente, doente, ainda ninguém o tinha
visto.
Conhecia, porém, as mezinhas caseiras, as benfazejas ervas que, sempre
a propósito, aconselhava.
– Ah! tem insónias? Tome chá de alface ou chá de
tília, que são calmantes
do sistema nervoso.
– Tem incómodos na bexiga? Não urina bem? Pois o remédio é simples: chá
de barbas de milho ou de pés de cereja. Tome à vontade, durante o dia.
– Cólicas intestinais? Anda aí, se calhar, brincadeira do fígado. Não
hesite: chá de casca de pepino. Se não tem, eu lhe mando um pouco,
que costumo guardá-las todos os verãos. Se é simples inflamação da
tripinha, água de linhaça ou de alteia, que são uma maravilha: refresca
e descongestiona. Se tem o intestino relaxado, com
soltura, prenda-o com farinha de trigo. Uma colher de farinha diluída em
água
é mezinha santa. Se sofre de prisão de ventre, experimente todas as
manhãs em jejum uma colher de mel diluído em água morna; para mim é
óptimo.
– O meu amigo sente cólicas no fígado? O melhor remédio é o chá de
hipericão.
– O seu pequeno está realmente mal encarado! Isso é das lombrigas.
Dê-lhe chá de hortelã, que os vermes saem. Mais difícil de sair é a
solitária, mas as pevides de abóbora costumam dar resultado.
– Para os incómodos de estômago há várias ervinhas, que a amiguinha pode
usar: a macela (5 cabecinhas para uma chávena, tomado o chá em jejum) é
estomacal e combate a falta de apetite; o chá do príncipe faz passar a
flatulência, tomado com assiduidade, ou às refeições ou fora, em vez
do copo de água; para os gases também é poderoso o chá de anis
estrelado; a lúcia-lima, também chamada erva-luísa ou bela-Iuísa,
beneficia o estômago, bem como a erva cidreira que ainda favorece o
intestino.
– Nesse mal, meu amigo, não me fale, que tem sido, talvez, o mais
impertinente que, em boa hora o diga, tenho tido. Para as hemorróidas,
os semicúpios de alfavaca. Também uso, em vez de alfavaca, o sal vulgar,
uma ou duas mãos cheias dissolvido na água conveniente.
– Oh! rica menina, tão palidazinha! Coma espinafres, que, por conterem
ferro, são bons para os anémicos.
Enfim, o Sr. Félix sabia de tudo, não esquecendo os grãos torrados para
a azia, o chá das folhas de oliveira para as doenças do coração,
especialmente para a arteriosclerose, hipertensos (7 folhas por cada
chávena, tomado à vontade); a água de sêmeas para as irritações da pele;
os agriões como depurativo, e em xarope para debelar as tosses, muito
peitoral; a borragem e a flor de sabugueiro para as constipações e para
o sarampo, nas crianças; etc., etc.
O mel, porém, merecia-lhe muito particular atenção, não só por ser
verdadeiramente guloso, mas por lhe reconhecer vantagens alimentícias e
óptimo reconfortante do coração. Fora um engenheiro de minas, inglês, que
ali estivera havia anos, que lhe tinha apregoado as virtudes do mel de
abelhas. E tal empenho o engenheiro fazia em tomar frequentemente o mel,
que ele lhe oferecia, de vez em quando, uma bilha de precioso néctar,
mas do virgem, do que guardava para seu uso.
O Sr. Félix, desde então, não se contentava
em tomar o mel com pão e queijo à merenda, seu costume antigo, mas,
agora, com entusiasmo e crença, o empregava para adoçar o café, não o dispensando, durante o
inverno, de o aplicar, de manhã, no ponche e, à noite, ao deitar, no
vinho quente, para a sossega e evitar as constipações... Se ele gostava
da pinga... mas moderadamente.
Estou absolutamente convencido de
que, se ele ainda hoje pertencesse ao
número dos que andam cá por este
planeta, e eu lhe oferecesse o livrinho
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o Valor Alimentar do Mel e a sua Aplicação na Terapêutica Infantil, da autoria do Dr. Alfredo de Araújo Serrão,
ilustre clínico e médico escolar de
Lisboa, ficaria realmente radiante, por
ver ali comprovadas pelo autor, que
baseou, em estudos científicos da matéria, as suas afirmações acerca do
mel.
De facto, o folheto, publicado pela Direcção Geral dos Serviços
Agrícolas
(N.º 22 da série Divulgação), contém ensinamentos de alto valor que
seria
útil, ou, melhor, utilíssimo, divulgar no
nosso país, com vista aos doentes cardíacos e às maleitas das criancinhas,
que tanto carecem de assistência, e defesa.
O trabalho do Dr. Alfredo Serrão faria delirar, de contentamento, o velho Sr. Félix.
Por cerca de uma centena de páginas, o autor, depois de indicar os elementos que constituem a alimentação do homem, trata propriamente do mel,
na sua origem, caracteres físicos e
composição química, bacteriologia e
propriedades anti-sépticas, análises química e biológica com
elucidativos mapas ou quadros, passando depois a considerar a fisiologia
e valor nutritivo do açúcar do mel, a importância da vitamina B e das
substâncias minerais do mesmo elemento, e ainda do mel
na alimentação e terapêutica infantil, etc.
O distinto eng.º agrónomo Valente de
Almeida procedeu à análise química
do mel em 51 amostras colhidas em 47 concelhos de 8 províncias, como se
vê do folheto referido. Apraz-nos registar que, nos méis do País analisados,
a percentagem da sacarose é máxima
no Alentejo. A média é de 2,84 %, mas
a mais alta foi encontrada na amostra
de Vila de Frades – 5,14 %, seguindo-se Lavre – 3,78, Montemor-o-Novo –
3,47 e Alvito – 3,64. A percentagem das
outras procedências desceu muito, a não ser Trancoso, que atingiu 3,80.
Segundo aquele cientista, o mel é
considerado um elemento composto,
visto conter dois elementos simples: «um, pertencente ao grupo dos hidratos de carbono e outro ao das proteínas, donde resulta um elemento energético por
excelência.»
Algumas afirmações do Dr. Alfredo
Serrão:
«O mel impede, quando tomado previamente, o frequente e perigoso acidente do coração forçado de Beau,
crises de assistolia a que tanto está sujeita a mocidade por efeito de
exercícios físicos excessivos, marchas, aplicações desportivas, etc.»
«O mel é, de facto, hoje reclamado
na alimentação do bebé pelos pediatras
mais distintos, enquanto que os açúcares químicos têm de ser banidos por
seus manifestos inconvenientes».
«Os açúcares do mel têm elevado
valor nutriente pela energia e calor
que produzem, devendo empregar-se de preferência nas estações frias e
sempre que se faz mister despender grande esforço muscular.»
«O mel é um alimento complexo
cuja substância, formada pelas células
vivas vegetais, proporciona ao organismo fermentos, vitaminas, presumivelmente acrescidas pelas que provêm
dos pólenes e substâncias minerais das quais distinguimos o cálcio,
fósforo e ferro, dando-lhe valor reconstituinte
que muito se impõe na alimentação
das crianças, intelectuais e indivíduos anémicos».
«É ainda um aperitivo excelente.
Pelas suas qualidades eupépticas e
pela acção electiva sobre o miocárdio,
pode chamar-se ao mel alimento de
bênção para os que sofrem do coração.»
E por último:
«Mas como se deve tomar o mel? Sendo um alimento de concentração muito
elevada, não se há-de ingerir sem prévia diluição em líquidos. como o leite,
chá, café, etc. ou associando-se a outras substâncias alimentares, por
exemplo, o pão. Assim, o mel puro colhido
correctamente não é susceptível, regra
geral, de determinar perturbações digestivas, não fatigando o estômago pela
exigência de secreção liquida imposta
pela sua grande hipertonia.
Como se vê, possui tão extraordinárias virtudes o mel, que absolutamente
justo é que as apregoemos aos quatro
ventos, aconselhando a leitura da publicação oficial da autoria do Dr. Alfredo de Araújo Serrão, e sobretudo
o consciente e aturado uso do nosso mel.
Aqui fica um contributo apreciável,
para a divulgação do poderoso elemento alimentar e terapêutico, –
excelente o produzido na vasta terra alentejana, e da maior simpatia do velho
Sr. Félix, de quem nos lembramos com saudade. |