AS CEIFEIRAS

Por FLORIVAL GUERREIRO

Ao aproximar-se a hora da partida, elas fazem-me sempre lembrar os intensos preparativos de campanha de uma grande guerra.

À hora aprazada vão chegando aos grupos, de manoplas e punhos de riscado, cotas de ralas chitas, empunhando o alfange, como modernas filhas dos árabes, para as árduas milícias da conquista do pão.

Há um carro em que elas vão pondo as bagagens e os avios, azafamadas e prestes, que já foi dado o sinal de partida.

Sobem para os carros rindo e cantando, num entrecruzar plástico de saias, alegres e vivas, na certeza de cooperarem na vitória da multiplicação dos grãos, como a do sol que ascende no azul e que as saúda e coroa em auréolas de oiro cintilante...

Lá se põem os carros em marcha, elas despedem-se das mães e das avós e dos filhinhos que ficam, e no meio do falatório e cantorias, vêem-se braços que se estendem dos carros em demorados adeuses e uns vislumbres de ansiedade nos olhos ridentes...

E lá marcham, as vigorosas filhas do trabalho!

Ide vê-las depois com o sol a pino...

E essa a mais tremenda e desesperada luta!

Ai! O bom amigo que há pouco lhes dourava as lisas frontes, tornou-se, como déspota feroz e contraditório, num adversário inexorável, premindo a alta tensão os invisíveis botões de uma irradiação de lavas infernais...

O manageiro dá o brado de «enrola» para o almoço, e vendo-as derreadas, exaustas, sucumbidas, trespassadas de suores as cotas de chita desbotadas, insensíveis a qualquer reajo de emulação, diríeis que foram elas as tristes derrotadas na grande vitória da esteira de espigas que jazem no chão.

Mas elas, as corajosas raparigas, sorvem o «gaspechinho» picado de cebola ou alho (oh! que fresco e bom!), descansam um pouco à sombra escassa, de algum chaparro ou oliveira ou / 258 / na empena dalguma moreia, e ei-las já com novos alentos para continuarem o grande prélio.

Depois, qualquer pequena coisa é um estímulo e lenitivo naquele inferno de luz. Um ditinho ou anedota picante, uma cantiga que evoque os mastros do S. João, uma cocharrada de água, um brado de «vá dacossa».

As heroínas do pão! Quantas canseiras, quantos suores, quanta força. de vontade e resistência!

Regressam tostadas, encardidas de pó e de suor, saias enrodilhadas, troncos abatidos, olhos encovados e ardentes, com largas condecorações no peito marcadas a salitre e coroadas de um largo chapéu de palha esburacado e enfeitado de alguns troféus de espigas...

Não há saudações nem festas por onde passam estas rainhas destronadas!

Ceifeiras! Samaritanas bíblicas da multiplicação das messes!

Elas cantam, elas riem, elas folgam sempre, através de todos os trabalhos e torturas.
 

 

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