Algumas Siglas dos Paços Reais
do rei D. Dinis, em Estremoz
Pelo DR. CRUCHO DIAS
Serviços profissionais têm-me levado por vezes a Estremoz e, logo da
primeira vez que ali fui, embora Inverno rigoroso, branqueava de neve a
Serra de Ossa, como se tivesse S. Gens saído da sua capelinha a caiar a
serra toda, a jeito e modo da mulher alentejana, picava o frio no rosto
como agulhas finas, me prendeu e encantou a cidade acolhedora e linda,
como riso de criança mimada, «uma das mais sadias e aprazíveis de todo o Alentejo», no dizer do P. Carvalho da
Costa, em sua Corografia de Portugal, quando ainda era apenas notável vila.
Apesar do mau tempo que então fazia e dos escassos momentos de que
dispunha, não deixei de embrenhar-me nas ruas velhinhas da cidade,
cheiinhas de recantos emotivos e evocadores de outras idades e de outras
gentes, a perscrutar a voz muda das pedras denegridas...
Que, a parte nova de Estremoz, comandada pelo «Gadanha» a meio do
tanque, no Largo fronteiro a S. Francisco, ao invés de tanta outra vila
e cidade, tem cunho próprio também. Não é mesmice...
Transporta a porta da cidadela medieval, lá vou Rua da Cadeia acima, a
ver aqui e ali uma por outra porta de arco apontada, a atestar sua
antiguidade; embora a brancura da cal lhes esconda a pedra antiga...
... E no murmúrio do vento pareceu-me ouvir, trazida de muito longe, a
Cantiga de Amigo e do Amor, do Rei Lavrador e Poeta:
«Oí oj'eu cantar d'amor
em um fermoso virgeu,
unha fermosa pastor
que ao pareceu seu
jamais nunca lhi par vi».
(1)
Percorrida a rua enladeirada e torcida, logo no alto se me deparou o
Largo onde, imponente e majestosa, a dominar a vastidão do horizonte, se
ergue a Torre de Menagem que D. Dinis edificou e o Rei Venturoso mandou
reparar e, a deslado, pórtico de arcatura apontada a abrir para uma
galeria, também de arcos apontados, assentes, como os do pórtico, em
dois capitéis de folhas de acanto, a par um do outro, sustentados por
dois fustes lisos também a par, de sopé duplo, comum.
Lembrei-me do Castelo de Leiria e dos Paços que foram ali de El-Rei D.
Dinis, dada a semelhança das galerias.
Traduzi a reminiscência em palavras à pessoa que então me acompanhava e
vi confirmada a minha suspeita.
O pórtico, a galilé e a torre que a remata, eram relíquias ao
abandono – tal e tanto que o pavimento da galeria serve de mictório e de
retrete de improviso
/
252 / ao garotio irreverente, senão
até a adulto ignorante e iconoclasta – dos Paços Senhoriais estremocenses
de El-Rei D. Dinis, o que bem soube trobar de Amor e de Amigo, ergueu
castelos e pontes,
El-Rei D. Diniz,
castelo e ponte fiz,
como aconteceu na Vila de Sabugal, reconstruiu muralhas e proveu
acertadamente à cultura do solo e de espírito.
Deu-me pena o abandono da curiosa e interessante relíquia, certificado
mudo da grandiosidade que deveriam ter sido os paços reais.
Impressionou-me a irreverência a que foi votada...
Ao frio da neve vieram juntar-se as primeiras gotas de chuva, que me
obrigaram a bater em retirada e, pouco depois, já ao abrigo da Pensão
onde me hospedara, se converteram em chuva torrencial, fustigante.
Fiz porém, a mim mesmo, promessa de tornar ali sempre, quando voltasse a
Estremoz.
E lá voltei. Dia de Sol esplendente,
a picar como ferroadas de vespa.
Fui encontrar o mesmo abandono, a
mesma irreverência...
E dei-me então a examinar as pedras
denegridas e logo elas aqui e além se abrem a falar comigo, a mostrar-me
as siglas que fui copiando o melhor que pude e soube e que seria curioso
comparar com as dos Paços do Castelo de Leiria.
Comecei o exame pela torre que remata a galeria de cinco arcos
ogivados, um deles já entaipado a pedra e cal.
No arco da torre e lintel que o sobrepuja, anotámos
11 siglas.
A partir da esquina da torre, a caminhar para a entrada da galeria, e no
exterior desta vimos e apontámos, antes do primeiro arco, colocadas de
cima para baixo, a partir da cachorra da, sete siglas. Uma em forma de
ave e outra
da cruz suástica.
Ainda no exterior da galeria e no primeiro arco da torre em referência,
encontrámos vinte siglas, uma antropomórfica.
Na face exterior dos restantes arcos
não vimos qualquer outra.
Passámos depois a examinar a face poente, da justa e directamente oposta
à torre. Um arco ogivado, duplo, abre
/
253 / a porta da galeria. Sobre este arco e aos lados anotámos
três siglas:
uma antropomórfica, outra em forma de B, tendo junto da abertura um
«i», a última, em forma de P, invertida, sobrepujada por um «o».
Curiosas
as siglas do pórtico que abre sobre a galeria, em cujo ábaco
esquerdo, assente sobre dois capiteis, parece ter o construtor da obra
deixado a sua assinatura e que traduzi, sem qualquer pretensão de acerto,
por
António ou Antão Mendes Fez (?)
Percorri a seguir interiormente a galeria e, a partir da torre que a
fecha, registei mais seis. Na primeira destas siglas parece ler-se a
data de 1310 e, na terceira, o número 13. Representarão o ano e o dia
em que se construiu a galeria?
Diccant paduani...
No interior do segundo arco, contando na ordem acima dita, encontra-se uma sigla que representa um gata, sentada sobre as patas.
Também o terceiro e quarto arcos são interiormente siglados.
As siglas que anotámos podem agrupar-se
assim:
a) Caracteres alfabéticos, ora simples ora associados.
b) Zoológicas
(ave e gato).
c) Antropomórficas.
d) Numéricas
e) Diversas.
Entre estas últimas conta-se a cruz suástica ou gamada, uma flor de
lis, uma espécie de chave, uma corneta, um elmo e uma cruz latina,
encimada pela volta de um báculo.
Com este nosso modesto trabalho, dois fins temos em vista:
Prestar homenagem a Estremoz e chamar a
atenção das suas dignas Câmara
Municipal e Comissão de Turismo, tão justamente ciosas dos valores
históricos e artísticos da encantadora cidade alentejana, para que,
quanto antes, recorram a quem de direito, para que olhe com amor e
carinho, de modo a conservá-las cuidada e religiosamente, as relíquias
dos Paços Estremocenses que foram de El-Rei D. Dinis e onde, ao perpassar do vento na arcaria
ogival, parece ouvir-se ainda a
cantar de Amor e de Amigo:
– Ai Dios e u é?
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NOTAS
(1) – Ouvi eu hoje cantar de amor em um formoso
vergel,
que ao semblante seu jamais nunca par lhe vi.
(2) – Este modesto artigo, ao contrário do desejo do seu autor, não
procede ser ilustrado com cópia das siglas, o que prejudica um pouco a
sua melhor compreensão. Irão um dia em outro lugar. –
C. D.
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