A influência das manchas solares nos tremores
de terra e
a acção da Lua nos vulcões
Associação internacional de sismologia, criada no ano de
1901, em Estrasburgo, tem, pelos seus importantes e valiosos trabalhos,
contribuído imensamente para os modernos conhecimentos geofísicos.
Entre os mais ilustres investigadores, quer teóricos,
quer práticos, destacam-se os distintos professores Milne e Oldham,
Laska, dr. Wiechert, dr. Agamennone, Marchand, etc.
As notáveis comunicações feitas na assembleia de Haia, a
primeira levada a efeito por aquela associação, revelam bem o interesse
e o desenvolvimento que ultimamente a ciência sísmica atingiu.
O facto da associação internacional sismológica ter
publicado, em meados de 1907, o catálogo mundial dos tremores de terra
para o ano de 1904 e o dos microssismos mundiais para o mesmo ano, e bem
assim a publicidade de obras notáveis, tais como: Results of measures
made at the Royal Observatory (Greenwich) under the Direction of Sir W.
H. M. Christie, astronomer Royal, of Photographs of te Sun taken at
Greenwich, in lndia and Maurilius in the year 1904 (que nos fornece
um grande número de posições heliográficas dos grupos das manchas
solares) têm feito talvez superar, em grande parte, dificuldades no
discernimento eventual da correlação existente entre os tremores de
terra e as manchas solares.
Não obstante, o que se tem escrito sobre o assunto que,
verdade seja, apenas pertence a épocas pouco remotas, ainda este
problema se nos afigura, não diremos irresolúvel, mas complexo.
Da análise de tais trabalhos concluiu
/ 225 / o professor Oddone que, em 1904, houve 88 tremores de terra, intensos, em 80 dias,
isto é, daqueles cujos registos atingiram 15 observatórios, e que as
manchas do Sol passaram pelo meridiano central da forma seguinte: 5
vezes antecipando dois dias; 12 vezes antecipando um dia; 38 no mesmo
dia; 9 um dia depois, e 3 dois dias depois; logo, 75 por cento de
coincidências com as passagens das manchas pelo meridiano central do
Sol, nas 24 horas em que se produziram os abalos.
Os tremores de terra mundiais, interessando pelo menos 30
observatórios, foram em número de 23 e distribuídos, por 22 dias, da
maneira seguinte: 1 vez antecipando dois dias; 2 vezes antecipando um
dia: 13 vezes no mesmo dia; 4 vezes um dia depois.
Este professor, considerando-se audacioso por empolgar
semelhantes problemas, nota que os fenómenos que se passam no Sol são
tão extraordinários e tão pouco conhecidos que talvez houvesse vantagem
em substituir a meteorologia solar pela sismologia solar. O mesmo
professor apresentou naquela assembleia a moção seguinte: «Há interesse
em prosseguir nos estudos sobre uma correlação possível entre os
fenómenos dos tremores de terra, os do magnetismo terrestre e a passagem
das manchas solares pelo meridiano central do Sol.»
O abade Moreux, o eminente director do observatório de
Bourges, situado no centro da França, expondo a acção do Sol nos grandes
abalos sísmicos, escreve, entre outros períodos, os subsequentes:
«Que não existe concordância íntima entre os vulcões e os
abalos sísmicos; pois que ultimamente têm sido observados tremores de
terra na Alemanha, Portugal, etc., onde não existe o vulcanismo.»
Como os fenómenos sísmicos se ligam com a formação
orogénica do globo terrestre, eméritos geólogos atribuem as
manifestações vulcânicas e sísmicas a infiltração das águas, pretendendo
explicar a propagação simultânea dos abalos nas regiões longínquas pelo
transporte das correntes de lava fundida que, atravessando extensos
subterrâneos, produzem os seus fenómenos em pontos afastados de 4 a
5.000 quilómetros. É certo que a maioria dos homens de ciência põe em
dúvida tal asserção, porquanto a água não banhando sempre as costas mais
assoladas pelos tremores de
/
226 / terra, como admitir que os abalos,
que se fazem sentir simultaneamente em pontos tão distantes, resultem de
tal acção?
Não oferece dúvida que o tremor de terra nunca é um
fenómeno isolado. Dezenas de exemplos têm recentemente confirmado este
facto. Assim em 12 de Novembro de 1900 tremores de terra na Bélgica, na
Alemanha e Vestefália, etc.; 19 de Dezembro de 1901 abalos em Leipzig,
na Saxe ocidental, Turinge, etc.; 20 de Dezembro de 1901 abalos em Maine
e Loire, etc.
As estatísticas – diz o eminente astrónomo – mostram que
a electricidade atmosférica tem uma preponderância inigualável
sobre os fenómenos sísmicos e que as manifestações eléctricas e
magnéticas são devidas ao Sol, o que nos conduz a inferir que a causa
dos abalos é de origem exterior à Terra, e que o Sol tem uma
influência extraordinária nos fenómenos vulcânicos e sísmicos.
O mesmo astrónomo revela-nos, entre outras coisas, que os
tremores de terra produzem-se, sobretudo, no momento em que a
actividade solar varia, quer ela aumente quer diminua. Esta teoria
permitiu já prever algumas manifestações sísmicas. Assim, em 1905, a
actividade solar, tendo alcançado o seu máximo, diminuiu bruscamente,
sentindo-se tremores de terra violentos. Ela decrescerá até 1912, época
na qual atingirá o seu mínimo para voltar a aumentar.
As manifestações vulcânicas agrupar-se-ão em torno deste
ano fatídico. A actividade solar, escreve o mesmo autor, não segue uma
lei progressiva e metódica; pois, oferece anomalias (perturbações) que
ocorrem geralmente três anos depois do seu máximo. Por isso nós acabamos
de estar em plena crise de tremores de terra; e os factos actuais
justificaram infelizmente essa lei geral.
O emérito astrónomo pretende incutir na humanidade o
interesse pela ciência do Sol, a qual é, a que mais convém conhecer.
Várias teorias admitem esta correlação; mas seja-nos
permitido declarar que o primeiro sábio que emitiu semelhante hipótese
foi Marchand, ilustre director do observatório do Pico do Midi, numa
memória impressa em 1904 e intitulada: «Les sismes tendent à se produire
lorsqu'une région
/ 227 / d'activité du Soleil passe au méridien central
apparent du disque solaire».
Convém frisar que Marchand chama região de actividade ao
grupo de faculas imensamente brilhantes e persistentes.
A fama, que envolve o nome glorioso do astrónomo, faz com
que a conexidade existente entre as perturbações magnéticas e a passagem
das regiões de actividade pelo meridiano central do Sol seja considerada
já como lei de Marchand.
Os recrudescimentos de actividade solar ou, antes, os
paroxismos solares têm também sido objecto de notáveis estudos no
observatório do Ebro (Tortosa), o que mostra bem o interesse que tais
fenómenos operam na moderna ciência.
A influência das manchas solares, a dos seus máximos e
mínimos valores, e a grandeza da amplitude da variação diurna dos
elementos magnéticos tinham sido sobejamente evidenciadas não só pelos
seus descobridores, o general Sabine e dr. Wolf (1852), como por
Hansteen (1859) Moureaux, do observatório do Parc Saint-Maur (1894),
Elis. de Greenwich (1897), etc.
A par da lei de Marchand existe ainda uma outra,
que é a de Veeder, a qual admite a influência das manchas e das
faculas, no momento em que elas aparecem no bordo oriental do
disco solar, isto é, 6 a 7 dias antes da sua passagem pelo meridiano
central.
Nada disto constitui assunto novo, porquanto a feição
mais proeminente, que caracteriza a actividade solar, é a da estrita
influência sobre todos os fenómenos terrestres que se encontram ligados
com a produção do calor e da electricidade, tais como: elevação e
depressão termométricas, quedas de chuva, avanço e retardamento de
vegetação, migração de certas aves, carestia de cereais, todos os
fenómenos eléctricos, auroras polares, e variações normais e anormais do
magnetismo terrestre. Assim, ainda há pouco tempo, pretendeu
estabelecer-se um determinado paralelismo entre a abundância das manchas
solares e a produção do vinho, pesquisa de natureza idêntica àquela
formulada anteriormente pelo astrónomo Herschel concernente ao preço do
pão.
Servia de base, ao critério daquela maneira de ver, a
circunstância de que nos anos de 1848,1859,1869,1870,1881,
/
228 / 1893, 1904 e 1905, anos nos quais,
sendo a quantidade de manchas em maior número, a produção do vinho foi
mais considerável e de melhor qualidade; ao passo que no ano de 1902,
ano em que menor número de manchas apareceu no Sol, houve pouca
abundância de vinho e este de qualidade inferior.
E como, para que a colheita do vinho satisfaça aquelas
duas qualidades, é necessário que a primavera e o estio sejam secos e
principalmente quentes, serviu semelhante ilação para demonstrar, pelo
método indirecto, que a aparição das manchas coincide em geral com as
temperaturas elevadas.
*
* *
Não obstante a exiguidade das dimensões das manchas
solares, reveladas pela fotografia do Sol, convém notar que a mancha por
nós observada, relativa ao tremor de terra de Lisboa, em 23 de Abril de
1909, tinha uma área equivalente a cerca de 194 milhões de quilómetros
quadrados; e sendo o diâmetro da referida mancha de cerca de 13.942
quilómetros é, consequentemente, a mancha maior do que a Terra, por isso
que – vista à distância do Sol – o diâmetro desta não excede 12.742
quilómetros.
Relativamente a este assunto, há ainda a frisar a conexão
existente entre os tremores de terra e os fenómenos meteorológicos.
A actividade solar, manifestando-se indirectamente
(segundo julgamos) nos abalos, actua directamente na meteorologia; o que
não nos deve admirar, sendo até mesmo hoje considerado como um facto
perfeitamente estabelecido, mercê dos importantes trabalhos de geografia
sismológica do conde de Montessus de BaIlore, director do serviço
meteorológico no Chile. Assim, os tremores de terra, além de darem um
aspecto inteiramente especial à atmosfera, vêm quase sempre acompanhados
de grandes chuvas.
O distinto geólogo alemão Branco(1) explicou que a
circunstância das grandes chuvas acompanharem os abalos resulta de que a
corrente de ar vertical, suscitada pelo movimento sísmico e na mesma
direcção, ocasiona a precipitação atmosférica do vapor aquoso acima do
epicentro. É esta uma explicação aceitável para os geólogos, mas que se
não adapta bem às modernas teorias astrofísicas.
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* *
Aceite pela maioria dos astrónomos a ideia emitida pelo
professor G. Darwin acerca da Lua ter feito parte da Terra, tem-se
pretendido demonstrar que, no instante da separação, o planeta Terra-Lua
não possuía volume superior ao que a Terra
/
229 / actualmente tem. Darwin, admitindo o
princípio da conservação das áreas, mostrou que o dia e o mês eram
iguais, tendo por valor comum 5 horas e 36 minutos, e que a separação
fora provocada pela acção das marés solares combinada com a da força
centrífuga.
Em virtude da diminuição de volume, a Terra aumentou a
rapidez da rotação.
Outro ponto interessante é o que se discute relativo à
Lua, se ela é ou não formada exclusivamente pela parte da crusta sólida
arrancada à Terra, visto que o peso especifico do nosso satélite é 3,4,
e o da Terra, no seu conjunto, é de 5,6, ao passo que o da matéria
superficial varia entre 2,2 e 3,2, o que parece indicar que a Lua é
composta de matéria arrancada à superfície e não da que provém do núcleo
central.
A ciência moderna, em consequência do volume da Lua ser
equivalente ao dum sólido, cuja superfície fosse igual à totalidade dos
nossos oceanos e duma espessura de 67 quilómetros, parte da hipótese que
a Terra possuía uma crusta sólida ele 67 quilómetros de espessura, sob a
qual a temperatura era tão elevada que os materiais dificilmente se
mantinham no estado sólido. Três quartas partes da crusta foram perdidas
pela separação da Lua, servindo a restante para formar os continentes
oriental e ocidental que flutuaram, como massas de gelo, na superfície
líquida. Pelo resfriamento da superfície líquida a depressão formada foi
ocupada pelos nossos oceanos. As ilhas vulcânicas destes oceanos, como
Havai, foram evidentemente constituídas depois da separação da Lua e são
análogas às pequenas crateras disseminadas sobre os mares lunares. Se,
como acabamos de sugerir, a formação dos continentes é devida à Lua, é
obvio que a raça humana deve-lhe muito; pois que, se a Lua não tivesse
sido assim formada ou lhe levasse toda a crusta terrestre, a Terra teria
ficado completamente envolvida pelos oceanos, como parece ser o caso
actual do planeta Vénus, e a inteligência da raça humana seria então
idêntica à dos peixes que habitam os mares abissais.
O problema da origem dos vulcões e da situação destes,
sempre próximos do mar, depende intimamente da origem dos continentes.
E, como na nossa hipótese, a origem dos continentes
estabelece que estes sejam formados da crusta terrestre, que
primitivamente era sólida, tendo rejeitado a grande parte das águas que
continha, segue-se que o interior da Terra, considerada no seu conjunto,
é sólido e não pode subsistir, por isso, na superfície, camadas liquidas
contínuas entre o centro e a crusta exterior.
Todavia, cada vulcão tem por base uma zona liquida donde
provém a lava. Esta aproxima-se da superfície, sem dúvida, pela
contracção terrestre, e a matéria viscosa transforma-se gradualmente em
líquido viscoso. Esta mudança pode produzir-se por duas maneiras:
elevação de temperatura ou diminuição de pressão. É provavelmente esta
última que na actualidade se produz. Os vulcões encontram-se
frequentemente ao longo dos bordos de arcos de círculo que se
assemelhariam, se fossem completos, aos mares lunares por suas formas e
dimensões.
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* *
Terminando, seja-nos permitido relembrar que o estudo da
actividade solar importa, no momento presente, a todos os ramos da
economia da vida, e tanto assim que nos países, para os quais a
climatologia não é um assunto meramente especulativo,
/ 230 / mas merece
a máxima atenção, e ainda naqueles cuja futuridade depende do fomento da
agricultura, os estudos astrofísicos são executados em excelentes
observatórios e com verdadeiro afã. Efectivamente, as tendências
modernas, positivas e utilitárias, impulsionam-nos a coordenar factos
para a investigação de novos fenómenos e a desprender-nos, por completo,
do valor filosófico das teorias e dos meandros matemáticos de que eles
se fazem acompanhar.
E seria esta a orientação, segundo o nosso humílimo
critério, a seguir em Portugal, caso de futuro, o que já não é cedo, se
pense a serio no empreendimento dos mencionados estudos.
A. RAMOS DA COSTA
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(1) –
Wirkungen und Ursachen du Erdbeben
–
Berlim, 1902.
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