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Egas Salgueiro e a Empresa de Pesca de Aveiro – As minhas memórias

O meu naufrágio

Meus amigos, antes de mais quero dizer que tenho um enorme respeito por quem naufragou. Neste trabalho de pesquisa que tenho vindo a fazer, notei que quem esteve em trágicos acidentes deste género, passados 40 anos, ainda continua a sonhar com eles.

O episódio que vou abordar é real. Teve alguma envolvência com a EPA, com os Reboques e os ESJ (Estaleiros de São Jacinto), pelo que merece ser contado, ainda que na perspectiva da “terapia do riso”, agora muito em voga.

Em 1974, cansado das savanas angolanas, para aliviar o stress, resolvi dedicar-me à pesca e mandar vir um motor fora de borda, um Mariner de 5 CV, que me custou 100 contos.  Mas esta aquisição colocou-me um dilema: que fazia ao motor, se nem sequer possuía um barco? Por isso, mandei vir um à consignação, à minha medida, adquirido na Casa Capucho, na Avenida 24 de Julho, em Lisboa, empresa que nos fornecia equipamento electrónico da LK-NES para protecção dos alternadores dos navios da EPA.

À imitação do que acontece com os navios, resolvi fazer uma prova de Ria. Fomos eu, o meu cunhado Fernando Santos, Traçador Naval nos ESJ, a minha Mulher, a minha filha de 3 anos e o cão. Nestas coisas, tem de haver sempre um cão a bordo…

Encostámos o barco ao trapiche dos Galitos, que era em degraus, com ripadilho de madeira. O Fernando foi o primeiro a saltar para o bote. Não foi à água por pouco e disse-me: – Eh João, isto parece uma banheira!… Bem, vi logo ali que estava reprovada a prova de estabilidade.

Metemos os coletes e começámos a navegar em direcção a São Jacinto. Claro que ia descansado! Ao Domingo, não havia traineiras nem arrastões que provocassem marolas. Mas mal entrei no canal de Ílhavo, vi ao longe manobras do rebocador Foz do Vouga. Tinha obrigação de saber que, para o Foz do Vouga, não há fins de semana. Com receio que a marola metesse o barco ao fundo, não meti o ferro, mas fiquei de “capa”, até que o Foz do Vouga encostasse. Posto isto, continuei a viagem até S. Jacinto, sem incidentes. Fomos para a pesca em frente ao parque de Campismo.

O Manuel Lino, meu colega da EPA que estava por ali, disse à mulher:

– Estou ali a ver uns “gajos” numa banheira; mas só lhes vejo as cabeças. Pudera, aquilo calava muito: só tinha  4 cm de borda de água.

Almoçámos em S. Jacinto, em casa do meu cunhado, cujos irmãos tinham vindo do Canadá. À saída, presentearam-nos com uns chouriços, pão e uma garrafa de vinho.

À volta, já tínhamos atravessado a cale e estávamos para os lados do Monte Farinha, em frente à casa do Rebocho, quando o motor se foi abaixo.

«Pronto! Como é que nos vamos safar?» – pensei com os meus botões. Nem um VHF tínhamos! Diz-me o meu cunhado:

– Eh João, demos em seco, a maré está na vazante.

Foi uma cena: com a marola, o barco tendia a meter água. A minha mulher chorava, a dizer que estávamos a ir ao fundo; a filha também chorava. E o cão, para não destoar, também ladrava. Isto, cá para nós, que ninguém nos ouve, é uma chatice ter “mulheres a bordo”!

Saltámos para a ria. A água a dar-me pelos tornozelos. Pusemos o barco em seco e fomos para terra comer os chouriços e matar a sede, dando tempo a que a água subisse. E, logo que possível, depressa chegámos a Aveiro.

Mas as peripécias ainda não ficaram por aqui! Não me apercebi que tinha deixado a rabeta do motor em cima de um degrau. Quando o desapertei, saltou-me para a água e eu tive de ir atrás dele, batendo com as costelas nas escadas do trapiche. Recompus-me. Duas braçadas e aproximei-me das escadas. Peguei no “croque” e, às apalpadelas, tentei apanhar o motor que não via. Parecia-me ele, mas fazia de mola e não vinha para cima. Amarrei o croque ao cais com uma corda e fui para casa tomar banho, voltando às 21 horas, no período da vazante. Afinal, o croque estava preso num degrau da escada de madeira, que estava despregado. Acabei por ver o motor, que retirei da vaza do canal e posteriormente lavei com água doce.

Fartei-me de todas as peripécias. Desfiz-me do motor. Vendi-o por 50 contos. E acabaram-se as navegações em barco próprio.

Moral da história: saiu-me cara a pescaria! Não sofri nenhum naufrágio, mas é deles que iremos falar proximamente.

 

 

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04-05-2018