Do conjunto de fotografias em formato 12x18 cm,
faz parte uma colecção de 22 imagens de uma reportagem efectuada pela
«Agência Geral de Reportagem Fotográfica, sita na Rua Luciano Cordeiro,
n.º 47, em Lisboa, especializada em toda a classe de trabalhos
fotográficos em Lisboa e Províncias». Ver
carimbo no verso. Infelizmente, as
pessoas que adquiriram as 22 provas de uma colecção superior a 60
exemplares, esqueceu-se de indicar a data do evento e deixar-nos uma
breve legenda explicativa. A análise das fotos permite-nos uma situação
aproximada no tempo, muito provavelmente na década de 1930 ou 1940.
Pensámos no desfile folclórico, realizado em 1938 em Aveiro, do qual
António Gomes da Rocha Madahil nos deixou algumas imagens no seu
trabalho «Um aspecto do trajo popular da Beira Litoral», editado nesse
mesmo ano no «Arquivo
do Distrito de Aveiro», que pode ser consultado no espaço «Aveiro e
Cultura». Infelizmente, nesta reportagem não existem fotografias
pormenorizadas sobre alguns tipos regionais, como vemos no trabalho de
Rocha Madahil. Todas as fotografias foram tiradas com o mesmo ponto de
vista, do local mais elevado da praça do Município (também designada por
Largo da Cadeia, Largo de José Estêvão e actualmente Praça da República), mostrando-nos toda a
Costeira até ao edifício do Hotel Arcada, vendo-se o percurso pela ponte
mais a sul – a Ponte dos Arcos –, situada mais ou menos entre a Fonte
dos Arcos e a então designada Rua da Costeira, devido à sua grande
inclinação, hoje com o nome de Rua de Coimbra. Um elemento que poderá ajudar
na situação no tempo poderão ser as viaturas antigas. Mas tudo quanto
possamos dizer nunca passará de meras conjecturas, a menos que
encontremos documentos escritos que façam referência a este evento. A
numeração por baixo de cada fotografia corresponde ao número registado
pelo fotógrafo, para que os interessados pudessem seleccionar e adquirir
fotografias.
Para que fique registado, transcrevemos um
brevíssimo excerto do trabalho de Rocha Madahil:
«Em Lisboa e na Província,
vários desfiles folclóricos se têm realizado nestes últimos tempos,
acolhidos sempre com extraordinário e vivo interesse, e com retumbante
sucesso. § Apraz-nos destacar, dentre eles, o de Lisboa, de 1917,
e o de Aveiro, pela Páscoa de 1938; se
o da Capital teve organização primorosa e larga representação do País, o
de Aveiro, modesta tentativa que pela primeira vez veio a público na
cidade...»
Este cortejo de 1938 e o que se realizou em 23 de Abril de 1939,
designado por Cortejo Distrital-Regional, Folclórico, Etnográfico e de
Trabalho, também referido por Madahil no Vol. V do «Arquivo do Distrito
de Aveiro», nada têm a ver com a presente
reportagem. O cortejo de 1939 foi de tal envergadura que foi filmado e
passou nos noticiários da época nos ecrãs dos cinemas, antes do filme
principal. Pode actualmente ser encontrado e visto através da Internet
recorrendo-se ao arquivo da Cinemateca Nacional.
A análise de pormenores ampliados e tratados
digitalmente a partir das imagens originais, permite-nos pensar que
se trata, não de nenhum cortejo etnográfico, mas sim de um
cortejo de oferendas, atendendo aos
conteúdos transportados: géneros alimentícios, produtos vinícolas,
grossos troncos de árvores adequados à construção civil, etc. Também não faria grande sentido a
presença de escolas num desfile etnográfico, o mesmo podendo dizer-se
relativamente àquilo que a imagem 49 nos mostra: uma tabuleta com a indicação de «Oferendas de Verdemilho».
Acontece que, em 30 de Junho de 1946, ocorreu
em Aveiro um
grandioso cortejo de oferendas a favor da construção do Seminário de
Aveiro, que envolveu todas as paróquias da diocese, o que nos faz
pensar que devemos ter aqui a reportagem deste evento. Só
assim se explica a imagem 35, onde vemos a presença de outros concelhos,
como o de Vagos.
Talvez outros observadores nos possam fornecer os
elementos necessários para esclarecer todas as dúvidas e registarmos a
data de forma segura e, o mais provável até, confirmar esta nossa
última suposição.
Já agora convém dizer que não houve engano da
nossa parte na ordenação das fotografias. O que aconteceu é que a numeração
atribuída pelo fotógrafo não corresponde à sequência cronológica. A
imagem 19 é posterior à 20, do mesmo modo que a 50 é anterior à 49. O
fotógrafo terá muito provavelmente utilizado rolos de 35 milímetros, se
é que já existiam na época, tendo depois numerado as provas para escolha
pelos clientes não obedecendo rigorosamente à ordem cronológica com que
os clichés foram tirados.
Já depois de colocadas as imagens e apresentadas
as minhas hipóteses, acabámos de ter a confirmação, por pessoas que
assistiram ao evento e, felizmente, continuam entre nós, que esta
reportagem diz respeito ao Cortejo de Oferendas a
favor do Seminário de Aveiro, ocorrido na data acima indicada.
Eis o parecer fornecido por Monsenhor João
Gonçalves Gaspar:
«Olhando e voltando a examinar o conjunto de
fotografias, também me parece, sem qualquer sombra de dúvida, que elas
registam o cortejo de oferendas a favor da construção do Seminário,
realizado em Aveiro em 30-06-1946. Foi um dos números das comemorações
do 50º aniversário da ordenação presbitorial de D. João Evangelista de
Lima Vidal (Vd. "Correio do Vouga" de 29-06-1946 e 06-07-1946). Eu, que
era aluno do sexto ano no Seminário, assisti e vi tudo.
Participaram todas as freguesias da Diocese com
as suas bandas, ranchos folclóricos, carros alegóricos e garridos. Além
do resultado material, o cortejo significou uma magnífica jornada de
caridade. Valera a pena.»
Aveiro, 11 de Agosto de 2021
Monsenhor João Gonçalves Gaspar |