Uma tricana namora
Com um jovem pescador,
Contra a vontade do pai,
Que
conhecia o estipor.
Uns olhos que são desejos,
De manhã, também, ramela,
Os dela olhavam prós dele,
Os dele olhavam prós dela.
Duas bocas sequiosas
Duma beijoca bem dada,
Que ela esquecia com água,
Ele com tinto da Bairrada.
Um dia, ele apressado,
À saída da traineira,
Encontrando-a sem o pai,
Ofereceu-lhe um linguado.
"É tudo aquilo que tenho,
Mas se quiseres aceitar,
E não estiveres apressada,
Tu vais ver que vais gostar."
C'um sorriso de contente,
Disse ela:"Posso esperar;
Também te dou um presente,
Com certeza vais gostar."
E c'um olhar ternurento,
Cheio de amor e paixão,
Tirou algo da algibeira,
E pôs-lhe a coisa na mão.
"Prova
lá, não tenhas medo,
O meu pai está prá marinha.
Há tempo pró linguado
E pra comeres a coisinha."
Deu-lhe ele uma dentadinha,
Devagar, só pra provar
E ficou de olhos em bico
Com tão gostoso manjar.
Era um ovo mole de Aveiro,
Em forma de mexilhão,
Das freiras dominicanas,
Como diz a tradição.
Marinheiro e tricana
Tiveram mais refeições,
Com pratos bem diferentes,
Mas as mesmas intenções.
É estória doutros tempos,
Em que a moeda era o escudo.
Em €uros, ovos são caros:
Bacalhau... só do escamudo. |