I
Em 1983, quando chefiava os Serviços Municipais de Turismo, fui
incumbido de fornecer, a uma Empresa que iria editar um “Roteiro
da Cidade de Aveiro”, a rede viária distrital, as chamadas
informações úteis e a toponímia citadina – mapa e listagem –, ou
seja, praticamente tudo, excepto a publicidade.
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Mapa da cidade
inserido no Roteiro de Aveiro de 1983. |
Como, na altura, pensava e dizia que tinha o mapa da cidade na
cabeça, resolvi testar essa convicção. Aliás, esse pretenso
conhecimento não me advinha de ter feito nenhum esforço para
decorar os topónimos – o que nem me seria muito difícil, porque
eles não eram muitos –, mas pelo facto de ter tido como
principal missão, quando ingressei na Comissão Municipal de
Turismo, em 1957,
fiscalizar se, nos estabelecimentos hoteleiros e
similares concelhios com ou sem interesse para o turismo –
hotéis, pensões, casas de hóspedes, restaurantes e casas de
pasto –, utilizavam, na liquidação das contas com os clientes,
só facturas autenticadas com a chancela do Presidente da Câmara,
onde constavam os obrigatórios 3% do Imposto de Turismo. Assim,
tinha de visitar, quase que diariamente, os referidos
estabelecimentos, com especial incidência à hora das refeições
principais, percorrendo a cidade, a pé ou na bicicleta
pasteleira que me tinha sido distribuída. Estes percursos,
aliados à minha eterna mania de ler as placas toponímicas das
terras por onde tenho andado e, ainda, a uma boa memória, é que
me permitiam pensar, nessa altura, conhecer de cor a minha
terra.
Voltando à participação no Roteiro. Munido
de uma planta muda da cidade (sem nomes), de fichas de leitura,
de um lápis vermelho e da predita memória, sentei-me à
secretária e, conforme ia tomando nota de um topónimo, pintava a
encarnado o respectivo traçado na planta, para controlar o
andamento do trabalho. Acontecia-me, enquanto ia preenchendo
algumas das fichas, lembrar-me dos nomes que utilizava, quando
me referia a esses locais, falando com conterrâneos da minha
geração ou mais velhos, denominações essas que não correspondiam
à terminologia oficial, tendo-me ocorrido que seria interessante
escrever uma espécie de roteiro histórico, onde constassem as
antigas designações. Cheguei a ter em meu poder fichas para o
efeito, que pessoa amiga me fez chegar de Coimbra, mas esse foi
um dos muitos projectos que não passaram da fase da intenção.
No final desse trabalho, decidi tirar uma prova real ao meu
exercício de memória, efectuando uma inspecção “in loco” que,
dado uma consequência inesperada e desagradável que me provocou,
penso merecer um curtíssimo parênteses. Requisitei uma viatura
municipal, cujo manípulo das mudanças tinha forma de bengala, e,
acompanhado da colega Maria Manuel Vilhena Barbosa, percorri,
durante dois dias, toda a cidade, à época, delimitada pela
chamada Variante. Foram tantas as mudanças metidas no constante
pára-arranca que, mau grado ter passado a usar luvas, após a
primeira manhã, fiquei com a mão direita tão dorida que, durante
uns dias, tive dificuldades em utilizá-la. Nem um taxista de uma
grande cidade, penso eu, teria accionado a caixa de velocidades
tantas vezes como eu, em igual período.
Terminada esta conferência, procedi à correcção das
reduzidíssimas e pouco importantes falhas existentes, que,
curiosamente, se verificavam todas em Esgueira e tinham como
principal razão ser aquela zona a menos conhecida por mim,
porque, enquanto fui fiscal, não existiam, nessa freguesia, os
estabelecimentos que eu teria tido de visitar.
Após esta viagem ao passado, que acabou por servir de
longuíssima introdução deste artigo, vou entrar na parte
substancial e que mais poderá interessar aos leitores. Há dias,
lembrei-me da antiga e supracitada ideia do roteiro histórico e
pensei que seria interessante consubstanciá-la em forma de
artigo de jornal e, em conversa com um amigo, historiador e
filólogo, comuniquei-lhe essa minha intenção. Tive a grata
surpresa de saber que ele já tinha esse estudo feito, tendo
mesmo chegado às profundezas abissais da Idade Média.
Já agora, um pequeno aparte que não me foi encomendado. É pena
se esse trabalho não chegar a ver a luz do dia, mas acontece
que, muitas vezes, os progenitores culturais não têm a cobertura
de subsistemas assistenciais ou não dispõem de possibilidades
para recorrer a maternidades particulares, pelo que a
intervenção dos Serviços de Ginecologia Cultural Municipais, em
determinados casos, como este, é não só justificada, mas também
necessária e, ainda, creio que bem-vinda.
Continuando. Acontece que os poucos neurónios que me restam já
não me permitiriam ter capacidade de apneia para dar mergulhos
no tempo como o que o meu amigo efectuou. Assim, o que eu me
proponho fazer é, ao nível pouco mais do que superficial das
páginas de um jornal, não só lembrar às pessoas da minha geração
os topónimos que dantes usávamos, entre nós, mas também
ensiná-los, caso não os conheçam, aos mais novos, e, ainda,
deixá-los registados para os vindouros que se possam vir a
interessar por estas coisas.
Nesta conformidade, nos próximos dias, juntarei a alguns dos
actuais topónimos não só as antigas designações tradicionais –
não me limitando às que constaram de placas afixadas –, mas
também algumas brevíssimas notas explicativas e sucintos
comentários, versando mais ou menos sobre o assunto, os quais
irão surgir ao dedilhar do teclado, logo, sem recorrer a
documentos informativos que não sejam os que se encontram
arquivados na minha memória que, não sendo má, já não é a
supracitada de 1983.
II
ROTEIRO DE ANTANHO
O conteúdo deste artigo circunscreve-se à zona das antigas
Freguesias da Glória e Vera-Cruz, porquanto, como já
anteriormente referi, nunca dominei bem o território esgueirense, nem
tenho, actualmente, nenhum amigo “bicudo” (habitante de
Esgueira) a quem possa recorrer para o efeito. Declaro também,
especialmente para quem ainda não me leu, que não se trata de um
trabalho produzido após vastas, demoradas e eruditas pesquisas,
porquanto só contei com a minha memória e algumas achegas de
pormenor provenientes de amigos e familiares.
AIRES BARBOSA
(rua) – Rua do Cemitério.
Como é evidente, é a rua que leva ao Cemitério Sul.
ALMIRANTE CÂNDIDO DOS REIS
(rua) – Rua da Estação. Rua do Paço.
Antes da abertura da avenida Dr. Lourenço Peixinho, era por esta
rua que as pessoas, que chegavam de comboio, iniciavam o seu
trajecto para o centro da cidade.
Este nome, pouco utilizado, deve-se ao facto de ser lá que está
sediado o Paço Episcopal, mas vai deixar de ter cabimento,
porquanto estas instalações da Igreja irão ser, brevemente,
transferidas para o Convento do Carmo.
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Fotografia aérea
de 1952 mostrando o novo Liceu de Aveiro e os começos da
urbanização do Bairro Álvaro Sampaio, mais conhecido
por Bairro do Liceu, situado no lado esquerdo da imagem. |
ÁLVARO SAMPAIO
(bairro) – Bairro do Liceu.
Quem pretendeu homenagear este meu vizinho – as nossas casas
ficavam, exactamente, uma defronte da outra –, não conseguiu
concretizar, plenamente, a sua justíssima intenção de perpetuar
o nome desse aveirense, nascido em Angra do Heroísmo
(1891-1980), atribuindo-o a um importante bairro, obra sua,
porquanto os aveirenses sempre preferiram a designação Bairro do
Liceu, apesar de lá existir outro estabelecimento de ensino
secundário, a Escola Comercial e Industrial, e, mesmo agora, que
já desapareceu a designação liceu do nome da Escola Secundária
José Estêvão, continuarem a fazê-lo.
No que respeita ao monumento, na minha modesta opinião, esse
preito de gratidão não terá sido, também, muito bem conseguido.
E não me refiro ao grau de parecença – se lá não estivesse o
nome, eu não saberia de quem se tratava –, mas o plinto de
sustentação mais parece o remate do muro que ladeia a rua Jaime
Moniz. Penso que um Presidente de Câmara, que dotou o que era
uma cidadezeca, com infra-estruturas básicas necessárias,
essenciais e modernas, merecia algo de muito mais digno.
No início dos anos quarenta, quando ele tomou posse pela
primeira vez, as ruas, à excepção da zona da Praça do Peixe –
estava calçada com pedra rolada que veio a ser utilizada numa
estrada de Vilar –, eram todas em macadame. Na minha (São
Sebastião), que, à data, era a mais importante entrada para quem
vinha do sul, só existia o passeio da, agora, minha casa, porque
era de uma pensão, mercearia e taberna – o dono era o meu
padrinho, Manuel Cacau –, e, até à Câmara Municipal, só havia
outro passeio, cimentado com rectângulos amarelos e vermelhos,
diante do estabelecimento do senhor Albino Miranda. O
abastecimento de água domiciliário fazia-se através de poços
domésticos ou de fontanários públicos, onde as mulheres iam, de
cântaro à cabeça, como na aldeia dos meus avós paternos, perdida
na serra de Sicó. Em alturas de seca, o camião cisterna
municipal substituía os chafarizes, mas a periodicidade das suas
vindas era pouco satisfatória. Saneamento básico? Nas casas mais
abastadas, as retretes despejavam, directamente, para fossas,
que eram limpas, periodicamente, pelos esterqueiros que
procediam ao seu vazamento com o auxílio de caldeiros e baldes.
O transporte era efectuado, usualmente à noite, dentro de dornas
destapadas, pelo que o seu conteúdo, que se destinava a ser
utilizado como fertilizante nos campos vizinhos, exalava um
perfume que empestava não só todas as ruas por onde as carroças
passavam, mas também as respectivas casas, especialmente, as que
não tivessem as janelas e portas bem fechadas. Os mais pobres...
iam ao aido. E poderia continuar enumerando carências; mas hoje
estou a escrever sobre toponímia, só que, às vezes, perco-me, e
fogem-me os dedos para outras teclas.
Quando o Dr. Álvaro Sampaio, antigo professor liceal, mas que
mostrou ter uma visão actualizada, actuante e correcta da gestão
da coisa pública, saiu da Câmara, em 1957, poucos meses antes de
eu lá começar a trabalhar, Aveiro era uma cidadezinha muito mais
moderna e que oferecia muito melhores condições de vida para os
seus habitantes, na medida em que as supracitadas carências
tinham sido, em grande parte, corrigidas.
ANTÓNIO DOS SANTOS LÉ
(rua) – Rua das Marinhas.
Já escrevi um artigo, no “Diário de Aveiro” do passado dia 4 de
Fevereiro, sobre esta absurda troca de topónimos, em que se
substituiu o nome de um dos mais representativos, valiosos e
queridos “ex-libris” aveirenses, por o de um regente de banda e
professor de música que não nasceu em Aveiro, nem cá quis ficar
sepultado.
APRESENTAÇÃO
(largo da) – Largo da Igreja.
Este Largo é como que o adro da igreja da Apresentação, actual
matriz da Vera Cruz, que já foi consagrada a São Gonçalo, sendo,
por vezes, utilizado para cerimónias religiosas.
ARCOS
Arcada anexa à Praça Melo Freitas e que termina na rua dos
Mercadores, ponto de encontro de excelência de muitas gerações
de aveirenses. Usual e inexplicavelmente, não consta dos
roteiros toponímicos.
ARTUR RAVARA
(avenida) – Ladeira do Hospital.
Já há quem lhe chame Ladeira dos Camelos, por causa das bossas
que lá foram implantadas para fazer abrandar a velocidade dos
veículos, a fim de facilitar a quase inexistente circulação de
passeantes, entre as duas zonas ajardinadas. Para os pobres
doentes traumatizados que por lá passam de ambulância a caminho
do hospital, aqueles oito balanços devem provocar cá um alívio?!
BATALHÃO CAÇADORES 10
(rua) – Rua da Corredora.
Esta rua chamava-se, assim, a partir da entrada para o Cemitério
Central, por ser uma ladeira.
CALOUSTE GULBENKIAN
(rua) – Rua da Malhada. Rua do Cabouco.
Ao fundo deste arruamento, existiam dois curtos canais,
extensões do canal do Paraíso, cujas margens eram utilizadas
como “malhadas” (locais de descarga de moliço ou junco). O do
lado da rua da Pêga desempenhava ainda essa função, muito
especialmente para o junco, nos anos sessenta. No que respeita
ao outro, a sua boca tinha sido, há muito tempo, quase que
totalmente ocupada pelo hangar de madeira que abrigava as três
lanchas do Turismo. Nos anos cinquenta, um grupo de amigos do
Sport Clube Beira Mar construiu, no topo sul, uma piscina de
maré, que funcionou pouco tempo, devido a se terem verificado
doenças de pele nalguns dos utentes, provocadas pela deficiente
qualidade da água. Seguidamente, o tanque foi aterrado e o
recinto transformado num campo de Andebol, primeiro, em terra
batida, mais tarde, cimentado, onde eu treinei todas as equipas
do Beira Mar, durante uma dezena de anos. Nos anos setenta, um
grupo de sócios construiu o Pavilhão que acabou por ser,
inutilmente, hipotecado, para tentar alimentar a voracidade
insaciável do futebol profissional que acabou, de erro de gestão
em erro de gestão, por cair nos escalões mais baixos dos
Distritais, arrastando consigo todo o Clube para situações pouco
dignificantes e de inimaginável carência. Nesse lugar, está a
ser construído um prédio particular de habitação.
A partir do hospital, aquela zona era conhecida pelo Cabouco,
daí o nome da rua, mas não conheço o porquê dessa designação.
Sei que há várias localidades, mesmo no Distrito de Aveiro
(Sangalhos), onde existe este topónimo.
CAMPEÃO DAS PROVÍNCIAS
(rua) – Rua dos Cães.
Apesar da porta do quintal da casa dos meus sogros dar para esta
rua, nunca lá vi um número anormal de canídeos que justificasse
tal epíteto, o que me trouxe intrigado, até ao dia em que soube
que o nome teve origem nas quezílias políticas havidas entre os
partidários de José Estêvão Coelho de Magalhães e de Manuel
Firmino de Almeida Maia, constando o nome deste último das
placas da rua paralela.
CAPITÃO SOUSA PIZARRO
(rua) – Rua da Sé. Rua das Beatas. Rua da Cadeia.
Antes da Cadeira Episcopal ter sido instalada na igreja de São
Domingos, por isso, hoje, Catedral, a Sé era o templo do Retiro
de São Bernardino, que ocupava o actual quarteirão deste
arruamento, desde a rua do Recreio Artístico até
ao local onde está o Palácio da Justiça. Logo, era um caminho
muito frequentado pelas beatas ceboleiras da época, que
continuam a dar esse nome à artéria que faz a ligação para a rua
Homem Cristo Filho.
Mais tarde, o edifício passou a ser usado como cadeia, até ser
construída a actual prisão, no Cabouco. Recordo-me,
perfeitamente, de ver os presos, nos janelões gradeados dos dois
andares, pendurarem, na ponta de cordéis, pequenos cestos ou, até,
meias, para mendigarem aos passantes moedas de tostão ou um
cigarrito. Note-se que esta imagem “felliniana”, neo-realista,
terceiro-mundista, que, neste momento, chamei ao ecrã do meu CC
(computador cerebral), só lá está arquivada há pouco mais de
sessenta anos.
CASTRO MATOSO
(rua) – Rua do Quartel.
Durante muitos anos, estiveram lá aquartelados vários regimentos
de infantaria, dos quais tenho conhecimento do 24, do 19 e do
10, este último, até há muito pouco tempo.
14 DE JULHO (praça) – Praça Vermelha.
O escritório do Dr. Manuel das Neves, conhecido e activo
discordante do chamado Estado Novo, situava-se, se a memória me
não falha, no rés-do-chão de um edifício desta praça. No 1º
andar era o consultório médico do Dr. Alberto Soares Machado
que, curiosamente, recebeu um dia o ditador na sua casa do
Rossio. Aproveito a oportunidade para referir que, mau grado as
divergências de ordem política, os dois vizinhos eram excelentes
amigos. O supracitado causídico – pai do Dr. Álvaro Neves, um
dos promotores do III Congresso da Oposição Democrática,
realizado, em Aveiro, entre 4 e 8 de Abril de 1973 – reunia-se,
com alguma frequência com pessoas que comungavam das suas ideias
políticas no predito gabinete. Assim, e mesmo sem que o Dr.
Manuel das Neves e penso que a maior parte dos participantes
dessas reuniões tivessem qualquer tipo de ligação ao Partido
Comunista, aquela zona passou a ser conhecida pelo nome da
célebre praça moscovita, porquanto, na época, tudo o que não
fosse da cor dominante era vermelho. Exceptuavam-se as camisolas
do Benfica que, para evitar confusões, não eram "vermelhas" mas
"encarnadas".
5 RUAS
Neste local, desembocam, no sentido dos ponteiros do relógio, as
seguintes ruas: Mendes Leite, dos Mercadores, Domingos Carrancho
e Tenente Resende, na praça 14 de Julho; e Sargento Clemente de
Morais, já no largo da Apresentação.
CLUBE DOS GALITOS
(rua) – Rua da Alfândega.
Antes de ser construído o edifício Fernando Távora e de ter sido
alterada a estrutura urbanística de todo o quarteirão, as
antigas casas vinham até junto à rua. No 1.º andar do primeiro
edifício, do lado da actual Ponte Praça, era a sede dos Galitos
e, no prédio a seguir, tinha sido a Alfândega. Nos anos
cinquenta, estava lá instalada a Casa da Mocidade Portuguesa e o
seu rés-do-chão servia, entre outras coisas, como hangar dos
barcos à vela (Lusitos e “Snipes”) daquela instituição. Foi no
seu 1.º andar que participei no último torneio de xadrez, em
representação do Centro Escolar n.º 3 da MP.
COIMBRA
(rua) – Costeira.
Chamava-se, desta maneira, por ser em declive.
CÔJO
Era assim conhecida toda a zona situada na margem pertencente à
Freguesia da Vera Cruz, do canal com o mesmo nome, e na da
Freguesia da Glória, até à Ponte de Pau.
Procurei em vários dicionários – Morais, Augusto Moreno, Porto
Editora e Lello Prático Ilustrado – e não encontrei esta
palavra, pelo que o seu étimo poderá ser o castelhano “cojo”.
Todavia, nem eu sou um especialista em toponímia, nem, como
anunciei no princípio deste trabalho, me proponho proceder a
grandes e demoradas pesquisas no que concerne a dúvidas deste
género. O que sei é que sempre ouvi dizer, em Aveiro,
especialmente aos cagaréus, de quem herdei a costela e o apelido
Reis por parte do meu avô materno, que um sítio sujo e
desorganizado ou cheio de lixo é um côjo. E era este o aspecto
de algumas das áreas abrangidas por este designativo, por mim
conhecidas. Todavia, e voltando ao campo das conjecturas, onde
iniciei esta rubrica, poder-se-á estar perante o problema da
galinha e do ovo; ou seja, se foi o local que deu nome às
lixeiras ou vice-versa. A Selva (ver esta rubrica) e a zona a
nascente da Ponte de Pau, do lado da Vera Cruz – estes últimos
terrenos chegaram a ser, em parte, utilizados como depósito
pelos vários farrapeiros, instalados junto dos antigos Serviços
Municipalizados – eram dois locais exemplares, no que respeita à
justeza deste nome.
COMANDANTE ROCHA E CUNHA
(rua) – Rua do Americano.
Para este arruamento, existiu o projecto de um caminho-de-ferro
americano – os vagões rodavam sobre “rails” e a tracção era
animal –, para transportar passageiros e mercadorias da estação
da CP para a zona da Ponte de Pau. Mau grado nunca ter sido
concretizada, esta ideia teve tal impacto junto da opinião
pública, que acabou por dar nome não oficial à rua, designação
essa que se manteve durante muitas décadas.
COMBATENTES DA GRANDE GUERRA
(rua) – Rua Direita.
É tão difícil encontrar uma terra em Portugal ou no Brasil onde
não haja uma rua Direita – só no concelho de Aveiro há uma mão
cheia –, como achar uma explicação, por todos aceite, para este
nome. O que se sabe é que todas as ruas Direitas são mais ou
menos tortas, se situam/situavam no centro das povoações e que,
nas localidades com uma certa dimensão, são/eram muito
comerciais. Se fosse permitida a sinonímia, neste caso, eu
chamar-lhe-ia Rua Directa.
CONSELHEIRO QUEIRÓS
(largo) – Largo da Serração.
Na esquina do lado do canal do Paraíso, contrária à da sede da
Banda Amizade, existiu uma serração. Recordo-me de ver as
madeiras empilhadas defronte da oficina, na zona, agora,
ajardinada.
DOM JORGE DE LENCASTRE
(rua) – Quinta.
Começava, aqui, uma grande quinta, pertencente ao Convento de
São João de Tarouca, a qual só terminava por alturas da rua do
Carril, arruamento que estabelece a fronteira entre os bairros
da Beira Mar e de Sá.
DR. ANTÓNIO CHRISTO
(rua) – Rua do Vento.
O antigo nome foi mudado há poucas dezenas de anos e a sua
génese é fácil de entender. Sendo um arruamento de orientação
norte-sul e soprando o vento, na maior parte do ano, do
quadrante norte, este arruamento é um verdadeiro túnel de vento,
tal como acontece com as outras ruas do bairro, que lhe são
paralelas.
DR. DAVID CRISTO
(avenida) – Estrada da Lota.
Para quem não souber que não se concretizou o projecto da
autarquia previsto para a actualmente degradada zona da Lota, a
escolha deste arruamento assume-se como uma estranha maneira de
homenagear o fundador e director do jornal “O Litoral”,
Presidente dos Bombeiros do Distrito de Aveiro, Presidente da
Assembleia Geral dos Bombeiros Novos, Presidente da Assembleia
Geral do Clube dos Galitos (cargo em que lhe sucedi), distinto
pintor e escultor, etc., etc., etc.
DR. LOURENÇO PEIXINHO
(avenida) – Avenida da Estação. Avenida.
Quando foi aberta, sendo Presidente da Câmara o aveirense que
lhe dá o nome, substituiu a rua Almirante Cândido dos Reis, como
acesso directo ao centro urbano.
Havia mais do que uma razão para ser chamada pelos aveirenses –
e creio que continua a sê-lo por muitos – só por Avenida. Não
havia outra e, durante muito tempo, foi a única, entre as assim
denominadas, que justificava, plenamente, tal classificação.
ENGENHEIRO OUDINOT
(rua) – Rua dos Protestantes.
Este nome deve-se ao templo protestante de grande dimensão que
lá se encontra, há largas dezenas de anos.
ENGENHEIRO VON HAFF
(rua) – Rua das Arnelas. Arnelas.
Nome derivado do latim ARENA, em português areia, e que indica
qual era a natureza do solo naquele local, à data do “baptismo”.
EDUARDO CERQUEIRA
(cais) – Cais do Paraíso.
No Roteiro da Cidade de 1983, já referido, este cais tinha ainda
o mesmo nome do canal que lhe corre ao lado. Posteriormente, a
edilidade deliberou dar-lhe o deste escritor e jornalista
aveirense (1909-1983), que lá residiu, e que, curiosamente, foi
sogro de dois ilustres homens públicos desta cidade: Mário
Gaioso e Carlos Candal.
EUCALIPTO
Nas imediações da rotunda da que já foi conhecida por EN 109, onde termina a
rua Mário Sacramento, esteve plantado um grande eucalipto, que
deu nome a toda à zona envolvente.
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Como ainda era a
Fonte dos Amores em 1971. Foto de Gaspar Albino. |
FONTE DOS AMORES
Situava-se do lado contrário da rua Mário Sacramento, para onde
foi desterrada e jaz escondida a sua cantaria, a fim de permitir
a exploração imobiliária do primitivo e secular acento desta
infra-estrutura hidráulica plurifuncional, onde as habitantes
locais iam não só buscar a água para o consumo doméstico, mas
também proceder à lavagem de dois géneros de roupa suja: a
propriamente dita e a metaforicamente assim chamada. No que
respeita à predita multiplicidade de funções, testemunharei que
a antiga Fonte do Amores nunca deixou de cumprir a função de
outra índole, que lhe deu o nome, sendo ponto de encontro de
namorados.
A sua zona de influência onomástica coincidia, dada a
proximidade com a da Polícia de Trânsito, mas havia nuances,
difíceis de explicar, na aplicação destes dois nomes. Por
exemplo, não me lembro de ouvir “Vivo na Polícia de Trânsito”,
mas era comum dizer “Vou a uma loja, à Polícia de Trânsito”.
Desde que a mensagem fosse de conteúdo pessoal ou afectivo, o
referente preferido seria o topónimo Fonte dos Amores. A minha
sensibilidade – não só linguística, que essa foi-me ensinada –
diz-me que a palavra amores desempenharia um papel decisivo, no
momento que precedia a exteriorização daquilo que se queria
comunicar.
FONTE NOVA
(largo da)
Onde, hoje, se inicia a rua Passos Manuel e se encontra o busto
do Dr. Álvaro Sampaio, este, já na rua Jaime Moniz, existia um
pequeno largo – a fonte, que lhe dava o nome, ficava umas poucas
dezenas de metros mais abaixo, quem desce, à direita, na actual
avenida 5 de Outubro –, no qual existiam cinco casas, quatro
térreas (casas baixas) e uma com primeiro andar (casa alta),
onde se praticava, legalmente, a prostituição, com licenças em
dia, incluindo a de porta aberta, pelo que, em Aveiro, até ao
início da década de cinquenta, Fonte Nova era sinónimo de casas
que, eufemisticamente, chamarei de passe. Com os trabalhos de
urbanização do Bairro Dr. Álvaro Sampaio, no qual se incluem as
preditas ruas Passos Manuel e Jaime Moniz, as casas foram
demolidas, transferindo-se a actividade profissional ali
praticada para duas moradias, no final da rua dos Andoeiros,
local esse conhecido por Mina, que passou a assumir a predita
conotação.
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Largo da Fonte
Nova, vendo-se as quatro casas baixas onde, na década de
1940, se praticava a prostituição. |
GATOS
(largo dos)
Ao fundo da rua José Rabumba (rua das Barcas), existia um
pequeno largo, que era, assim, conhecido. Ao contrário do que
escrevi, quando me referi á rua Campeão das Províncias (rua dos
Cães), quando por lá passava, era muito frequente ver desses
felinos a passear ou a apanhar banhos de sol, pelo que achava o
nome muito bem posto.
GENERAL HUMBERTO DELGADO
(praça) – Pontes.
No local onde hoje há a chamada Ponte Praça, existiram, até ao
início da década de cinquenta, duas pontes. E toda a zona
envolvente era conhecida por Pontes, sendo local de encontro de
muita preferência.
Curiosamente, as duas obras de arte tinham nomes. A mais
ocidental era a dos Arcos, porque ficava defronte dessa arcada,
ou de Ferro, dado que o seu varandim era metálico. A outra, era
a das Almas – havia umas alminhas na esquina do prédio vizinho –
e, nos últimos tempos, a da Racha – tinha uma fissura na arcada
inferior. Esta fenda, cujo grau de perigosidade não era
consensual, era aproveitada como argumento pelos que defendiam a
sua demolição, dizendo que havia o risco da ponte ruir. O que
eles pretendiam, na realidade, e acabaram por conseguir com a
construção da actual Ponte Praça, era substituir as duas velhas
e estreitas pontes por uma que fosse espaçosa e satisfizesse as
exigências do crescente e cada vez mais pesado trânsito
rodoviário.
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Centro da
cidade, vendo-se a Ponte das Almas, ao fundo, e a Ponte dos
Arcos. Na esquina do prédio, as alminhas que deram o nome à
ponte que lhe fica contígua. À esquerda, a Fonte dos Arcos. |
GUILHERME GOMES FERNANDES
(rua) – Rua do Seixal.
Toda esta zona era conhecida por esse nome que correspondia às
características geológicas do solo.
JOSÉ ESTÊVÃO
(rua) – Rua Larga.
Actualmente, estaria muito longe de justificar essa
adjectivação, mas, na época, era um topónimo muito utilizado e
não só em Portugal.
JOSÉ RABUMBA
(rua) – Rua das Barcas.
Creio, mas não tenho a certeza, que a razão de ser deste nome
terá advindo do facto da lingueta do Canal Central, existente
defronte do arruamento, ter sido, sempre, muito utilizada, para
cargas e descargas, pelo tráfego lagunar. Por exemplo recente,
antes das comportas, era lá que atracavam as lanchas que faziam
a ligação com São Jacinto.
LUÍS DE CAMÕES
(largo) – Largo das Cinco Bicas.
Anteriormente, chamou-se Largo do Espírito Santo, porque existiu
uma igreja com esse nome, entre as actuais ruas São Martinho e
São Sebastião. A sacristia ficava onde é hoje a minha casa.
Quando o local foi calcetado com paralelepípedos, nos anos
quarenta, lembro-me de lá ter visto os esqueletos dos que tinham
sido enterrados no antigo adro.
Não se sabe porque se chama àquela zona “Cinco Bicas”, mas sei,
porque lá nasci e sempre vivi, que o lençol freático é abundante
e facilmente atingível, pelo que é natural que, antes do actual
chafariz Arte Nova, datado de 1880 e dotado com duas torneiras e
14 bicas – 2 grandes, apontando para o tanque de baixo e 12
pequenas para a bacia superior –, lá tivesse existido o referido
número de bicas, para abastecimento da população do bairro.
Note-se que todas estas torneiras e bicas só têm uma função
meramente decorativa, na medida em que delas já não jorra água
há muitos anos.
Antes de ser conhecido por Fonte das Cinco Bicas, este
fontanário era chamado Chafariz do Espírito Santo. Nesta
conformidade e pelas razões acima expostas, é fácil concluir
que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, é o local que
tem dado o nome à fonte e não esta ao largo.
Aproveito a oportunidade para tornar público, o que já
comuniquei, por “mail” ao senhor Presidente da Câmara Municipal:
a única placa toponímica já foi tirada, ou está tapada, há
largos anos.
LUÍS CIPRIANO
– (rua) Travessa do Hospital.
No edifício onde estão sediados os Serviços Administrativos da
Santa Casa da Misericórdia e uma livraria, funcionou um
hospital, pelo que a rua, antes de ostentar o nome do pai do
Tribuno, tinha a designação de Travessa do Antigo
Hospital.
MAIA MAGALHÃES
(largo) – Adro. Largo dos Bombeiros.
Era o adro da antiga igreja matriz da antiga Freguesia da Vera
Cruz, a qual se situava onde é hoje o Estabelecimento de Ensino
de Santa Joana.
Os Bombeiros Novos (Companhia Voluntária de Salvação Pública
Guilherme Gomes Fernandes) estão aquartelados neste local.
MANUEL LUÍS NOGUEIRA
(rua) – Rua do Norte.
Na minha opinião, há duas possíveis explicações para esta
denominação. Antes da abertura da Rua Dom Jorge de Lencastre,
seria a rua mais a norte do Bairro da Beira Mar. Ou, dada a sua
orientação norte-sul, a nortada aveirense encana por ela acima.
MÁRIO SACRAMENTO
(rua) – Rua de Ílhavo.
Era a única via de entrada e saída para os ilhavenses.
MARQUÊS DE POMBAL
(praça) – Largo da Polícia.
Até há poucos anos, a única esquadra da PSP estava instalada nos
claustros da igreja das Carmelitas e edifício anexo.
MILENÁRIO
(praça do) – Largo da Sé.
Quando foi demolido o casario existente entre as ruas do Rato e
de Jesus, que desapareceram, a zona, junto do adro da Sé,
passou a denominar-se, oficialmente, Praça do Milenário –
efeméride esta que se comemorou em 1959 – e, vulgarmente, Largo
da Sé. O espaço restante, até à avenida Artur Ravara, integra a
avenida Santa Joana.
MUSEU
(rua do)
Era este o nome mais dado à acima referida rua de Jesus, por
nela se situar o então denominado Museu Nacional de Aveiro.
POLÍCIA DE TRÂNSITO
Na rotunda existente na confluência da avenida Araújo e Silva e
das ruas São Sebastião e Mário Sacramento, esteve instalado,
durante muitos anos, um pequeno posto da Polícia de Viação e
Trânsito e o local ficou-lhe com o nome.
POMBINHAS
Era assim conhecida a zona delimitada, a norte, pela Polícia de
Trânsito e pela Fonte dos Amores, indo até ao cemitério sul e
Eucalipto e seguindo, para poente, ao longo da rua das Pombas.
Na entrada deste arruamento, antiga estrada das Pombas, do lado
da rua Mário Sacramento, fui informado que houve duas esguias
pirâmides de pedra, que serviam de base a duas pombas, em
bronze, com a cabeça debaixo da asa, logo em posição de dormir,
residindo, nestas peças arquitectónicas, a origem dos nomes da
rua e da zona.
PONTE DE PAU
Nome da ponte em alvenaria, com vigamento em ferro, que foi
substituída pela actual, integrada na avenida 5 de Outubro. Da
primitiva ponte de madeira, só subsistiu o nome.
REMADORES OLÍMPICOS
(cais dos) – A Praia.
Esta denominação deve-se ao facto de, como anteriormente disse, o canal
de São Roque, nos seus primeiros tempos, não ter muralhas, sendo as margens de
terra e lama e com alguma areia, em declive, como na praia, e ser
esse um dos locais onde os cagaréus iam nadar.
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Como eram os
Paços do Concelho, in illo tempore. |
REPÚBLICA
(praça da) – Largo da Cadeia. Largo da Câmara. Largo de José
Estêvão.
Quando eu comecei a trabalhar no Turismo, em 1957, no edifício
dos Paços do Concelho, estava instalada a Câmara Municipal, que
ocupava a metade do lado da igreja da Misericórdia, e o Tribunal
Judicial, que abarcava o restante espaço. Acontece que,
anteriormente, onde, no meu tempo, estavam a Tesouraria, a
Sub-Delegação de Saúde e a caldeira do aquecimento central,
tinha sido a cadeia. Havia uma fotografia, no arquivo municipal,
onde se via um passadiço elevado, com guarita, para os guardas
prisionais.
As explicações para os outros dois nomes são óbvias.
SÃO ROQUE
(rua de) – Rua dos Lavadouros.
Perto da capela de Nossa Senhora das Febres, existiram, até há
muito pouco tempo, uns grandes e importantes lavadouros públicos
que justificavam o nome pelo qual a rua era chamada.
SARGENTO CLEMENTE DE MORAIS
(rua) – Rua do Sol.
A origem deste nome é a mesma da de todas as ruas do Sol de
todos os países: está orientada no sentido nascente-poente e,
por isso, é sempre a primeira a receber, diariamente, a visita
do astro rei.
SELVA
No local onde está instalado o Centro Comercial Fórum, existia,
ainda na década de cinquenta, uma quinta murada, ao abandono,
cuja vegetação cresceu, durante anos, sem qualquer intervenção
de ninguém. Daí o seu nome, apesar de não ter árvores de grande
porte. O portão ficava ao fundo de uma pequena rua que partia
das Pontes, junto à Ponte das Almas (ver rubrica “Pontes”), onde
se situavam várias oficinas, entre as quais, a tipografia onde
era impresso o “Litoral” e a carpintaria do pai dos meus amigos
– e artistas plásticos de reconhecido mérito – Bandarra. Era um
sítio aproveitado pelas crianças da minha geração, especialmente
pelas que não moravam muito longe, para jogos guerreiros, por
vezes, revestindo-se de algum grau de violência e perigo. Por
exemplo, vi um miúdo, não integrante do meu bando, com um raio
de bicicleta, cuja ponta tinha sido aguçada, espetado num
calcanhar – se já tivéssemos visto o filme sobre a Guerra de
Tróia, ninguém o teria safado de passar a ser o Aquiles –,
flecha essa que tinha sido disparada por um arco artesanal
empunhado por um dos meus companheiros de armas. Como o predito
portão estava sempre fechado e nós não tínhamos acesso à chave,
utilizávamos a entrada alternativa, saltando o pequeno muro da
rua da entrada do cemitério.
Quando eu frequentava o 2.º Ciclo do Liceu de José Estêvão, que
funcionava onde é hoje a Escola Secundária Homem Cristo, a
propriedade foi comprada pela Câmara, os muros do lado das
Pontes e da Ponte de Pau foram demolidos, o terreno foi
desmatado, limpo e terraplanado, tendo sido criado, ao longo do
canal do Côjo, um espaço plano que a rapaziada aproveitava, após
armar as necessárias balizas (duas pedras ou pastas escolares,
em cada uma) para jogar umas futeboladas. Já não se justificando
o antigo nome, o local passou a ter a mesma denominação do canal
e da zona que ele percorre, principalmente para os novos
utentes.
Com o aumento do número de automóveis, a área transformou-se num
grande parque de estacionamento, explorado, comercialmente,
pelos chamados guardadores de carros, à época, só portugueses, o
qual funcionou até à recente implantação do Fórum.
Mas, independentemente do tipo de utilização que o local foi
proporcionando, ao longo de dezenas de anos, o nome manteve-se,
sempre o mesmo, para muitos dos antigos utilizadores de calções
e, alguns de pé descalço: assim, eu joguei aos “índios e
cowboys”, na Selva, joguei à bola, na Selva e estacionei o meu
carro, na Selva.
TENENTE RESENDE
(travessa do) – Travessa da Palha.
Recordo-me das oficinas artesanais de confecção de almofadas,
travesseiras, travesseiros e colchões que davam o nome popular a
este estreito arruamento, porquanto a predita fibra vegetal era
o principal recheio utilizado em muitos desses utensílios
domésticos, principalmente, no que respeitava aos colchões.
31 DE JANEIRO (rua)
– Rua do Teatro Aveirense.
É aqui que se situa a principal entrada desta Casa de
Espectáculos.
III
Vou terminar este Roteiro de Antanho, que se poderia intitular
também da Saudade, primeiro, fazendo votos para que,
especialmente a algumas/alguns jovens do meu tempo, a sua
leitura lhes tenha dado o mesmo prazer como o que a mim me deu a
sua feitura.
Em segundo lugar, dando conta de duas constatações, para mim
pouco agradáveis: a primeira, é que já não me posso gabar de
conhecer a minha terra de cor, como escrevi no princípio deste
trabalho; a segunda, é que me vi novamente confrontado com os
disparates que os produtores do Roteiro de Aveiro de 1983, a
quem eu forneci a listagem toponímica, introduziram nesse meu
trabalho, agora que me servi da predita obra para me auxiliar na
elaboração desta toponímia de outros tempos. Na altura, já lá vão trinta e seis
anos, disse-lhes, pessoalmente, coisas pouco agradáveis, que
reitero agora, se bem que vernaculizadas, porque feitas só para
mim e avinagradas pela idade.
Termino com mais uma constatação que me surpreendeu. Então não é
que em 1060 anos de história só houve uma mulher de Aveiro
digna de constar da nossa Toponímia – Antónia Rodrigues – e,
mesmo essa, só praticou os feitos guerreiros e heróicos que a
celebrizaram a coberto de um nome masculino?! À Mumadona Dias e
à Princesa Joana foram reconhecidos créditos suficientes para
tal distinção, ainda que não aveirenses, se bem que a filha de
Afonso V cá tenha sido obrigada a viver dezoito anos, sempre
atrás da cerca conventual. Será possível que nunca tivesse
havido nenhuma filha natural ou adoptiva da Capital da Ria que
tivesse praticado actos de natureza física, social, benemérita
ou intelectual que justificasse que o seu nome fosse associado
ao de uma pequena rua de um modesto bairro popular, na periferia
urbana? Ou será que do Regulamento Toponímico, que eu não
conheço, mas que pessoa idónea me disse ser muito bem feito,
consta uma alínea onde se proclama, ao contrário do famoso
Pirata da Perna de Pau, “MULHERES! NÃO!”. Voltando a um registo
sério, para fechar um trabalho que, mau grado ser superficial,
se pretende de igual cariz. Creio que a Comissão de Toponímia
deveria reflectir sobre este assunto.
Aveiro, 17 de Setembro de 2019
Diamantino Dias
ADENDA
1. Leitor atento e
excelentemente informado no que respeita à toponímia aveirense
enviou-me uma mensagem na qual me dizia que a minha afirmação,
de que «em 1060 anos de história, só houve uma mulher de Aveiro
digna de constar da nossa Toponímia» e que essa tinha sido
Antónia Rodrigues, era incorrecta, porquanto, na urbanização da
Forca-Vouga já existe, há alguns anos, a rua Dona Conceição
Maria dos Anjos.
Reconheço o meu
erro, pois não conhecia a rua, nem ninguém que dela soubesse.
Disso peço desculpa a quem me leu, aproveitando a oportunidade
para dar a conhecer, se bem que sucintamente, quem foi essa
aveirense, conhecida por todos como dona Conceiçãozinha da
Costeira. Era dona de uma óptima confeitaria no que respeita as
especialidades regionais (ovos moles, raivas, alemães, bolos de
24 horas, enguias e mexilhões de escabeche, etc.), existente na
rua da Costeira, actual rua Coimbra (ver esta rubrica), negócio
que tinha herdado de Maria da Apresentação Mourão e que, mais
tarde, passou a ser explorado pelas duas irmãs Vilaça.
Segundo me foi comunicado pelo predito leitor, as principais
razões que terão justificado que fosse dado o nome de uma rua a
uma pessoa de origem muitíssimo humilde – esteve no Asilo José
Estêvão e foi criada de servir – ter-se-ão, essencialmente,
baseado em décadas passadas a auxiliar pessoas e instituições
que precisavam de apoio – faleceu em 1953, com 74 anos –, tendo
também desempenhado uma acção de relevo no que respeita a
restauração da Diocese de Aveiro, o que se concretizou em 1938.
2. Outro leitor não menos atento chamou a atenção para
existência de mais um arruamento citadino com nome feminino: a
rua das Tomásias, no bairro da Beira-mar. E este lapso, para
mim, revestiu-se de maior gravidade, porquanto é um local que
bem conheço, quanto mais não seja por ter sido sócio e
frequentador do CETA.
O nome deste
arruamento deve-se ao facto de nele terem habitado as senhoras
Tomázias. Uma delas, Dona Teresa Thomázia Leite, foi casada com
Bento José Mendes Guimarães. Deste casal de comerciantes locais
muito ricos, nasceu Manuel José Mendes Leite (18-05-1809 –
21-08-1887) ilustre aveirense, muito ligado ao Setembrismo, que
também tem nome de rua na cidade que o viu nascer.
Curiosamente, as
gentes do Bairro da Beira Mar chamavam – e ainda há quem chame –
“praia” às margens dos canais que, antes de serem muradas, eram
de terra e em declive. E, por vezes, especificavam o local,
acrescentando-lhe um nome.
Era o que acontecia
com o minúsculo largo existente no Cais dos Botirões, à entrada
da predita rua, o qual, segundo o meu amigo, antigo marnoto e
remador olímpico dos Galitos, Zacarias Sarrazola Andias, era
conhecido, no tempo da sua meninice, como a Praia das Tomásias.
Nesta “praia” e
noutras semelhantes ao longo dos Canais de São Roque e da Praça
do Peixe, a rapaziada, depois de uma banhoca nas conspurcadas
águas da Ria – à época, os canais citadinos eram verdadeiros
vazadouros públicos –, secava o peito com a toalha solar e as
costas contra as paredes das casas ou contra as portas. Estes
últimos secadores eram os preferidos, porque tinham acento, o
degrau de entrada, mas, às vezes, suscitavam reacções, mais ou
menos violentas, das proprietárias que não gostavam que lhe
molhassem as portas.
3. Na Secção “Verdadinhas” do “Diário de Aveiro” do passado dia
11 de Outubro de 2019, existe uma rubrica intitulada “A mulher e
a toponímia”, onde se enumeram nomes de mulheres que constam da
Toponímia aveirense. De seguida, direi algo sobre estes
topónimos, mas, evidentemente, sem abordar aqueles já
anteriormente referidos.
Convirá lembrar,
como foi dito no começo deste trabalho, que ele se
circunscreveria às zonas das freguesias da Glória e Vera-Cruz,
tendo explicado as razões dessa decisão.
Rua das
Salineiras e rua das Tricanas.
Trata-se de duas classes, uma profissional e outra social, e
não, como é evidente, de mulheres consideradas individualmente.
Situam-se no Bairro da Beira Mar.
Praceta da Camponesa.
Existe, também, em São Bernardo, a rua da Camponesa, mas
penso, se bem que não tenha a certeza, que estes nomes se devem,
não a uma pretensa homenagem às trabalhadoras campestres, mas a
um aproveitamento inteligentemente feito por uma fábrica de
rações.
Rua Maria Mendes.
Não foi possível encontrar dados biográficos. Situa-se em Cacia.
Alameda Maria Teresa de Melo.
Trata-se de Dona Maria Teresa de Faria e Melo, nascida em Lisboa
07.07.1871 e que veio a falecer em Aveiro em 03.11.1929. Era
filha do Barão de Cadoro e mulher de Mário Duarte. Foi a 1ª
Viscondessa da Recosta, sendo reconhecida como filantropa e
grande desportista. Situa-se em Esgueira.
Rua Glória da Assunção Costa Lemos.
Trata-se de uma homenagem dos habitantes de Tabueira a uma
antiga professora primária, avó paterna de um amigo meu,
falecido há alguns anos. Segundo consegui apurar, foi-lhe
publicamente entregue uma medalha, pelo Presidente da República,
pela sua acção como pedagoga.
Rua Dona Maria Madalena Vilhena.
Não foi possível encontrar dados biográficos. Situa-se em
Esgueira.
Rua Dona Brites de Lara.
Era filha do 1º Duque de Vila Real e 4º Conde de Alcoutim.
Depois de se ter separado do marido, veio para Aveiro, onde
tinha casa fidalga perto da actual Praça Marquês de Pombal.
Comprou propriedades anexas com a intenção de as legar à Ordem
das Carmelitas para que lá viesse a ser construído um Convento,
o que só veio a acontecer após a sua morte, tendo os herdeiros
dado cumprimento a essa sua vontade, testamentariamente
expressa. Não tendo filhos, ingressou no Mosteiro de Jesus.
Situa-se na freguesia da Vera-Cruz.
Rua Maria da Póvoa.
Não consegui dados biográficos. Situa-se em Vilar.
Travessa Maria da Fonte.
Situa-se em Esgueira, na zona do Olho de Água, onde há uma fonte
muito antiga.
Esta rubrica termina com um relação de locais com nomes de
mártires e santas. Pela sua natureza, julgo que estes topónimos
não se enquadram no âmbito desta Adenda, porquanto o que estará
em causa é o reconhecer-se a justeza da minha afirmação,
concluindo que só um número reduzidíssimo de mulheres é que tem
vindo a ser agraciado com um lugar na nossa Toponímia. Acontece
que, no meu modesto entender, quando se concede, popular ou
oficialmente, nome de rua a uma mulher, é por se reconhecer que
foi alguém que se distinguiu entre os membros da comunidade,
merecendo que o seu nome seja perpetuado, enquanto, no caso de
uma santa, o que se pretende, essencialmente, é pedir a sua
protecção ou agradecer um pretenso auxílio, não necessitando ela
desse meio para não cair no olvido.
Concluindo. Quem diria quando, no início destes escritos, eu me
propunha a abordar, unicamente, Toponímias de Antanho, sem
recorrer a outros documentos que não fossem os que estivessem
arquivados na minha memória, que acabaria por ter de pesquisar
para obter elementos biográficos que se encontram arquivados em
estantes que não são para mim as mais atraentes, porquanto
prefiro, aos odores da História, os aromas, se bem que por vezes
esquisitos, exalados pela Literatura ou mesmo os provindos, para
muitos, da inodora Filologia.
16 de Outubro de
2019
Diamantino
Dias
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