PASSEIOS NA RIA

Na semana que antecedeu o Carnaval, quando saía do café acompanhado pela minha mulher e dois amigos, os pintores aveirenses Artur Fino e Jeremias Bandarra, uma jovem brasileira, auto-intitulando-se escritora, utilizou o telemóvel para nos fazer uma mini-entrevista colectiva, aproveitando a oportunidade para nos propor uma visita ao seu país e para nos comunicar que estava a gostar muito de Aveiro.

Sugeri-lhe passeios nos arredores, palavra esta que não constava do seu léxico, especificando eu que deveria, entre outras coisas, visitar a Ria. Respondeu-me, de imediato, que já a conhecia toda, porque tinha feito o passeio nos barcos típicos. Expliquei-lhe que a Ria de Aveiro não se circunscrevia aos, mais ou menos, 2 800 metros lineares que tinha percorrido ao longo dos canais citadinos.

A Ria começa no Carregal, em Ovar e, ainda há pouco anos, estendia-se ao longo de 45 km, até Mira, indo os seus esteiros terra adentro, até atingir, em Salreu, os 11 km. Hoje, o assoreamento fá-la terminar, para sul, no Poço da Cruz, mas, mesmo assim, este maravilhoso acidente hidrográfico da costa portuguesa continua a ocupar, se a memória me não falha, mais de 10 000 hectares, dos quais 7 000 estão permanentemente alagados.

Depois deste encontro, tenho andado a matutar com que ideia da Ria e da Cidade ficarão os visitantes que fazem os passeios de barco, até porque tenho ouvido dizer, bastas vezes, que algumas das pessoas encarregadas de prestar, a bordo, informações, dizem, por vezes, coisas que não correspondem, minimamente, à realidade.

Cito, a seguir, dois exemplos que me foram comunicados por pessoas que considero fidedignas: 1.º – As chaminés das antigas fábricas de cerâmica “Jerónimo Pereira Campos” (actual Centro de Congressos) e “Aleluia” não teriam sido demolidas, por serem “Património Material da Humanidade”; 2.º – A antiga Praça do Peixe era um projecto da autoria do Arqt.º Gustave Eiffel.

Posso acrescentar que já fui convidado, há anos, para dar um passeio de moliceiro, quando, à minha frente, só estavam dois mercantéis; tendo chamado a atenção para o erro, recebi, como resposta, um sorriso comprometido.

Em matéria de inexactidões, direi, ainda, que possuo um vídeo, que passou na “Rede Globo”, em que o guia-animador utilizava, alternadamente, a bica do moliceiro e um vertedouro como se fossem guitarras, enquanto dançava e cantava uma canção portuguesa, para um grupo alemão.

No supracitado vídeo, o guia, pessoa muito simpática e que teve a grande virtude de afirmar, veementemente, que Aveiro não é a Veneza de Portugal e que na nossa terra não há gôndolas, quando foi interpelado pelo jornalista brasileiro sobre o significado do vocábulo ria que, no Brasil, dizia o jornalista, é feminino de rio (aliás, também o é em Portugal, porquanto este é um fenómeno linguístico existente no português e tem a mesma explicação de poço e poça e uma conotação sexual evidente), explicou a formação da Ria ao contrário da realidade, ou seja, como tendo sido o mar a entrar pela terra, quando, na verdade, e ao contrário das Rias Galegas, aqui, foi o continente que entrou pelo mar, ganhando-lhe terreno.

Afirmou, também, o senhor, que o moliço era uma alga, quando se chama moliço ao conjunto da vegetação submersa da Ria de Aveiro, a qual é/era constituída por vinte e uma espécies diferentes, nem todas sendo algas.

Aqui chegado, quero tornar claro que não pretendo com este texto criticar as pessoas que transmitem informações erradas. Mas o que é facto é que estas incorrecções são ouvidas por muita gente, no caso do vídeo foram milhões, e que muitos as tomam por verdadeiras. Cada um diz o que sabe e quem diz o que sabe a mais não é obrigado.

Penso, também, que estes exemplos não serão suficientes para que se possa afirmar, como já tenho ouvido, que os guias dos barcos só dizem disparates.

Pode até acontecer que, entre os concessionários, haverá uma maioria que se preocupa com a selecção, formação e acompanhamento dos guias que trabalham nos seus barcos.

A única coisa que eu pretendo questionar é a seguinte: se os tripulantes que pilotam os barcos são obrigados a ter um documento passado pela Capitania do Porto de Aveiro, atestando que têm capacidade técnica para o fazer, porque é que às pessoas que prestam informações aos turistas não deve ser exigida uma formação específica para cumprirem, eficazmente, a sua função? Ou seja, alguém que, para além do português, fale, pelo menos, francês e inglês, que saiba dizer algo sobre os moliceiros, a Ria, a Cidade, a região envolvente, numa perspectiva histórica, cultural, económica, etc.

Quarenta e cinco minutos – o tempo de um circuito – dão, à vontade, para dar a conhecer e “vender” muita coisa; e digo-o com a autoridade que me dão muitos anos de prática.

Mais uma pergunta: se não houver um guia com discurso estruturado, porque é que levam os turistas a fazer o percurso, ida e volta, entre a Ponte de São João e a eclusa? Para ver o quê? Muros de cais?

Eu sei que a contratação de guias constituiria um acréscimo de encargos para os exploradores dos circuitos. Mas não tenho dúvidas de que aumentaria a valia deste produto turístico que, tal como está, é de pouca qualidade, logo não podendo ter pretensões a atingir turistas de boa capacidade económica.

Assim e para terminar, sugiro que a Câmara Municipal faça constar, logo que possível, dos Contratos de Concessão dos Circuitos Turísticos nos Canais Citadinos, uma cláusula donde conste que os passeios não se poderão realizar sem o apoio de guias credenciados, reservando-se, ainda, a Autarquia o direito de fiscalizar a adequação do discurso desses profissionais, sempre que entender por conveniente.

Aveiro, 25 de Março de 2019

Diamantino Dias

 

26-03-2019