Na madrugada (4h00) do dia 25 de
Agosto, um jovem de 20 anos trepou pelo fontanário da Praça do
Peixe, instalou-se sobre o bonito vaso que o encimava e, quando
se preparava para dar lugar aos dois colegas, uma rapariga e um
rapaz, que o seguiam, a predita peça, a que se tinha agarrado,
soltou-se e ele caiu, tendo-se ferido nos membros superiores e
inferiores e no peito.
Não pretendo com este artigo dar
notícia do acontecido, porque isso já foi feito neste jornal e
na televisão, mas, em primeiro lugar, lembrar que, há poucos
anos, igual incidente ocorreu na Cordilheira dos Fontanários
aveirenses, no pico das 5 Bicas, tendo esse jovem, após ter
atingido o topo da Fonte, abraçado a águia que lá estava
pousada, desde 1880; porém, esta, só habituada à companhia amiga
das pombas, que, por vezes, lhe pousavam na cabeça, talvez não
tenha gostado do amplexo humano e resolveu levantar voo, tendo
os dois aterrado no empedrado que circundava o chafariz.
Os procedimentos foram os mesmos
dos actuais: a Câmara tomou nota da ocorrência, a PSP
identificou os jovens que foram parar ao Hospital e um pagou e o
outro irá pagar as réplicas das peças arquitectónicas, que
partiram, e os respectivos custos com os trabalhos da sua
reposição.
Será possível fazer alguma coisa
para que casos como estes não se voltem a repetir, quiçá, com
consequências bastante mais graves, por exemplo, uma lesão na
coluna, ou mesmo fatais se a cabeça bater no chão?
Não sou adivinho, mas atrevo-me a
prever, com enorme probabilidade de acerto, que, mais mês menos
mês, mais ano menos ano, haverá um momento em que um jovem
sóbrio, ou com mais ou menos adição alcoólica, ou de outra
droga, sentirá o desejo irreprimível de exibir, perante uma
garota ou amigos, as suas capacidades físicas, fazendo a
ascensão de um dos chafarizes, mesmo sabendo que tal não é
socialmente correcto e implica poder vir a ter um acidente
bastante grave, já que a altura é apreciável.
Considerando não só que os
fontanários continuarão a existir, mas também que a cidade,
felizmente, cada vez tem mais habitantes jovens e não unicamente
portugueses (salvo erro, frequentam a nossa Universidade alunos
de 89 países) e, ainda, que não é viável pôr um polícia, dia e
noite, junto de cada um dos dois chafarizes, logo, que não é
possível impedir novas tentativas, penso que devem ser tomadas
medidas no sentido de, pelo menos, desincentivar e dificultar ao
máximo estas iniciativas, sem que, como é evidente, se
interferira com a estética dos monumentos Arte Nova em causa. E,
sem delongas, antes que se venha a verificar alguma queda que
não se resolva no Hospital.
Como é habitual em casos
similares, há sempre quem condene a acção do rapaz,
generalizando e tecendo as habituais considerações, em que se
denigre a actual geração, que estraga tudo, que não se sabe
comportar, que será incapaz de empunhar eficazmente o testemunho
geracional, etc. etc. etc. Ora eu não defendo a falta de civismo
nem a anarquia e eduquei os meus filhos para respeitarem os
outros e as normas estabelecidas. Mas muitas pessoas esquecem-se
de que já foram jovens.
Assim, vou aproveitar a
oportunidade e terminar este texto contando algo que se passou
comigo e que, nessa altura, tal como hoje, era considerada coisa
de malucos. Pelos meus 17, 18 anos, pertenci a um grupo de
estudantes liceais, do qual já não me lembro o nome, cujos
candidatos tinham que cumprir um ritual de admissão
esquisitíssimo, que a seguir descrevo. Um pouco antes da
meia-noite, o pretendente tinha de saltar o muro do Cemitério
Central, pelo lado onde é hoje o “Fórum” e que, na altura, era
um descampado a que chamávamos “Selva”, dirigir-se ao Mausoléu
do Bispos de Aveiro e, ao bater da meia-noite, no vizinho
relógio da torre dos Paços do Concelho, dar um beijo à grande
estátua da Morte existente no local. Esta tétrica cerimónia
osculatória era comprovada por elementos do grupo que assistiam,
lá em baixo, na Selva. E, tanto quanto eu saiba, esses malucos
de há 70 anos vieram a ser cidadãos socialmente bem integrados.
É por estas e por outras que eu
compreendo muitas coisas, se bem que nem todas, praticadas pela
actual juventude.
Nota -
O
autor não escreve segundo as normas do actual Acordo
Ortográfico.
30.08.2022 |