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N.º 17

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1974 

Crepúsculo de Pangloss

Pelos Drs. José Pereira Tavares e Álvaro Sampaio

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ACTO III

NO JARDIM DOS PRAZERES

(Tipos populares, que passeiam. Juntam-se e cantam)

POPULAR –

Neste recinto sagrado

todo Aveiro passeia,

quer de dia quer de noite,

quando a Lua está bem cheia

(com coro)
quer de dia quer de noite,

quando a Lua está bem cheia

 

 Aqui se viu o Peixinho,

o homem que se diz Cristo!

Até o major Meneses 

Já aqui ‘steve, a ver isto!
(com coro)

Até o major Meneses 

Já aqui ‘steve, a ver isto!

 

Com franqueza, meus Senhores,

vale a pena vir aqui!

Neste jardim há de tudo

Desde a pulga ao sagui!

(com coro)

Neste jardim há de tudo

Desde a pulga ao sagui!

 

(Vão-se retirando, ao mesmo tempo que entram Pangloss e Zé)

*

ZÉ – Só por causa deste Jardim dos Prazeres, valia a pena viver em Aveiro. Porque teima V. Ex.ª em partir, em deixar atrás de si um mar de saudades?

PANGLOSS (Triste) – Alma de Pangloss toda se encher de tristeza! Lembrar-me muita de Politique, minha mulher! Pangloss ter agora coraçon mais pequena que grão de bica. (A cena escurece de repente, ouvem-se três pancadas metálicas e surge por um alçapão a Política, vestida de branco)

POLÍTICA (Cantando) –

Aqui estou; eis-me aqui.

Sou sempre a mesma Senhora.

Sou eterna; eu não morri;

viva sempre, a toda a hora!

 

Sempre a mesma, aqui me vêem

cada vez mais descarada;

por mais voltas que me dêem,

eu não mudo mesmo nada.

 

Vá de Braga para Lisboa,

ou desta para Benfica,

eu serei – ela é bem boa! –,

eu serei D. Política.

/ 49 / 

Cá na terra, a minha história

continua em folhetins;

só assim tenho a glória

de alcançar todos os fins.

 

Se se fala com alguém,

dizem todos em geral

Se se fala com alguém,

dizem todos em geral

 

os da dita, – isto vai bem

os da dura, – Isto vai mal!
 

os da dita, – isto vai bem

os da dura, – Isto vai mal!

TODOS – Se se fala, etc.

ZÉ – Senhora Política! Como apareceu aqui?

POLÍTICA – Para vos dizer que é preciso ter juízo. Foi a vossa intolerância que me feriu; foi a vossa insensatez que me arrebatou; foi a vossa maldade que me desterrou por tantos anos. Não morri! Quero passar estas privações para reabilitar-vos e redimir-vos. Precisamos de um só altar – a Pátria; de um só ideal – a Pátria; de um só partido – a Pátria! Só uma grande contrição poderá restituir-me à vida! (Desaparece ao som de três pancadas metálicas. Silêncio prolongado. Faz-se de novo a luz. Pangloss e Zé esfregam os olhos)

*

ZÉ (Assombrado) – Que será isto? A modos que estive sonhando, Dr. Pangloss!

PANGLOSS – Não ser sonhe! Ser realidade. Portugueses precisar redimir suas culpas e elevar seu país. Mim não ver seguir esta filosófia e por isso querer partir Deutschland. Ninguém querer abdicar suas opiniões; Ninguém querer sacrificar suas ideias, yes! Pangloss quer tomar combóia e deixar vosso Portugal.

ZÉ – Sossegue, Dr. Pangloss! Pode ser que o povo, o bom povo português, aquele povo alegre das nossas festas e romarias, povo tão português e inconfundível, tenha um assomo de virilidade! Ele aí vem! Veja! (Entram romeiros, com bombo, violas, ferrinhos, caixa de rufo e harmónio)

CANTADEIRA –

Tudo que há triste no mundo

tomara que fosse meu,

para ver se tudo junto

era mais triste do que eu!

CANTADOR –

Não sei que quer a desgraça,

que atrás de mim corre tanto;

hei-de parar e mostrar lhe

que de vê-Ia não me espanto.

CANTADORA –

Amor com amor se paga,

já que outra paga não tem;

quem com amor não paga

não diga que paga bem.

CANTADOR

Amor com amor se paga,

nunca vi coisa tão justa;

paga-me contigo mesma,

meu amor, se te não custa!

(Vozes e ditos vários e saem, cantando)

*

ZÉ – O povo das romarias! Que alegria, que saúde, que vida! (Pausa) olha, olha! Quem ele é! (Entra o Comerciante, risonho)

*

COMERClANTE – Como passam os meus caríssimos amigos? Há um ror de tempo que os não via! As esposas, os filhos, os netinhos? (Apertos de mão)

PANGLOSS – Yes! Há muito tempa!

ZÉ – É verdade, meu inolvidável e prezadíssimo amiguinho. Já lá vão seis anos, que me têm parecido séculos! E foi aqui mesmo, tendo por cúpula o mesmo céu e por testemunhas os passarões que geraram os que por cá gorjeiam.

COMERCIANTE – É o que parece, meu amigo, porque eu ando às voltas com uma terrível dispepsia!

PANGLOSS – Não parecer! Ter boas cores, minha amigo!

COMERCIANTE – Sim! No fundo sou o mesmo! (Canta)

Sou um honesto

comerciante,

que a meu talante

os preços mudo.

 

Não há decretos,

nem bons projectos,

nem ratoeira

prá maroteira!

(Declamando) – O público barafusta, berra, arrepela-se, mas eu... (Canta)

A tudo fujo

com boa arte;

o mesmo sou

/ 50 /

em toda a parte!

Sobe o pão,

sobe o café,

sobe o feijão,

olé, olé!

De preçorum

mercadorum

líbera nós

e dominé!

(Declamando) – É como le canto! Há um bom ano agrícola? Há muito azeite, trigo, milho e arroz? Não tem dúvida! Nós tiremos sempre a mesma percentage!      E tudo isso, porque... (Canta)

Nesta vida tudo sobe;

quem não sobe é porque é tolo!

Só não sobe quem não pode,

ou então não tem miolo!

OS TRÊS – Nesta vida... etc.

ZÉ – Vamos a saber, mestre. A como se paga hoje o feijão?

COMERCIANTE – Manteiga, frade, ou?..

ZÉ – Feijão, feijão!

COMERCIANTE – Sendo frade, é mais caro!

ZÉ – Porquê, meu amiguíssimo?

COMERCIANTE – É artigo que está a escassear na praça.

ZÉ – Isso é uma roubalheira! Portugal está hoje cheio desse feijão!

COMERCIANTE – Mas não se lhe chega, meu amigo! Não se lhe chega! (Despedindo-se) Com licença, que tenho de ir descontar uma letra. São os ossos do ofício. Porque os Senhores não sabem quanto custa!... Venham para cá prá arte, e depois dirão!

ZÉ – Adeus, meu nobre amigo! Recados à Senhora e aos meninos.

COMERCIANTE – Serão entregues! Serão entregues! (Sai, às mesuras exageradas).

*

ZÉ – Quando o Sr. Doutor sair de Aveiro, talvez eu vá pôr um negociozito de secos e molhados. O Dr. já notou que os comerciantes de secos e molhados são quase todos gordos? Preciso de encher estas peles. Trabalha um homem noite e dia... e não tem nada. Se vai ao mar, à pesca, arrisca a vida; no dia seguinte, no mercado, querem-lhe comprar o peixe por uma tuta e meia. Se amassa o pão, durante a noite, para os outros comerem no dia seguinte, comem todos, até os parvos! Olha: aí vêm pescadores! Triste vida a destes desgraçados! E ainda regateiam o preço dum robalo! (Entram os pescadores)

*

ZÉ – Cantai o vosso hino, ó pescadores! O hino da luta do homem com o mar.

PESCADORES – (Cantando) –

«Pescadores, Ó pescadores,

de olhos da cor do sargaço,

que havia de ser da gente,

pescadores, ó pescadores,

se não fosse o vosso braço?»

TODOS – Pescadores, etc.

ZÉ – Então? muita pesca?

PESCADOR – An? Pesca? Nem raça! Os raios das traineiras deram cabo de quanto peixe havia na nossa costa. Ospois, os do Governo, lá os de Lisboa, não mandam prender os espanhóis!... Pobres dos pescadores, que estoiram com fome, se a Senhora da Saúde ou a Senhora das Areias lhes não deitarem a mão! (Para os companheiros) Vamos lá à vida! (Saem cantando)

*

ZÉ – Coitados! Triste e inglória epopeia, a destes obscuros heróis! (Pausa) Mas... caluda! Dirigem-se para aqui dois desconhecidos! Atenção! (Entram a Moda e Papo-Seco)

*

MODA – Ai, Papo-Seco, você está hoje tão neurasténico, credo!

PAPO-SECO – Ora, não seja matias, D. Moda! A minha neura, você bem o sabe, tem uma causa ponderosa. Perdi, numa aposta, a quando do desafio do Beira-Mar com os Galitos, cinquenta paus!

MODA – Que são cinquenta paus?

PAPO-SECO – Cinquenta palhaços!

MODA – Ah! Está bem! Por paus e palhaços, fico percebendo. (Outro tom) Então não vem? (Vai a sair) Se quer, posso permitir que me acompanhe ao Pompeu. Vou às mercas.

PAPO-SECO – Oh, que chatice!

MODA – Sensaborão! Você venha, que as mercas não hadem ser muitas. É só comprar dois pares de meias de seda natural, com «baguette à jour», para a minha tia Francisca; um «robe-kimono» em «maroceio» para a prima Cecilinha; uma «parure» em «doisette» com «à jours» à mão, para mim; talvez outra «parure» em «opalette»; um avental em «organdi» para a Perpétua...

/ 51 /

PAPO-SECO – E mais nada? Veja lá.

MODA (Concluindo) – E um estojo de «manicure» e «batom». Não me demoro. (De repente) É Verdade! Você já viu o chapéu que agora traz a Georgina?

PAPO-SECO – Ah, ah! O que aí vai de inveja!

MODA – Inveja daquilo?! Fff! Que coisa tão pires! Parece mesmo uma lambisgóia! (Pausa) Então não vem? (Puxa-o)

PAPO-SECO – Impossível! Eu e o Seabra temos de nos encontrarmos aqui.

MODA – Ora não seja de gesso! (Empurra-o)

ZÉ (Tirando o chapéu) – Dá-me licença, Ex.ma Senhora? Poder-nos-á dizer, a mim e ao Dr. Pangloss, a quem temos a honra de estar admirando?

MODA – Cubra-se e esteja a gosto. Não sabe? Eu lho digo! (Canta)

Eu sou a moda, a caprichosa moda,

que o mundo embrulho num chapéu francês;

faço as cabeças desandar à roda,

mudando sempre, ao começar o mês.

 

Ora me encaixo num vestido estreito,

ora me envolvo em peliças caras;

ora com folhas uma saia enfeito,

ora me adorno de raposas raras.

 

Alteio os ombros, endireito as pernas,

branqueio o rosto com vária loção;

invento sempre confecções modernas:

postiços, trouxas, saias de balão.

 

Trago ao pescoço bicharada fera;

ponho à cabeça trapalhadas mil:

gaivotas, ratos, couves, folhas de hera;

dou à cintura forma de funil!

 

O Mundo vário minha bolha engoda;

sou dos maridos a brutal turquês.

Eu sou a moda, a caprichosa moda,

que o mundo embrulha num chapéu francês!

ZÉ – Então por cá? Com muita demora?

MODA – Pois eu sou a Moda aveirense!           

ZÉ – Tão pequenina?!

MODA – Tão pequenina, sim! Mas tenho larga clientela! Os meus principais fregueses são: O major Paixão, a Conceiçãozinha da Costeira e o Chefe da Secretaria da Câmara.

ZÉ – O Chefe?!

MODA – Sim: o Casal Moreira!

ZÉ – O do Registo Civil?

MODA – Não! Você está pílulas. É o Bola de Neve.

PANGLOSS – Pangloss gostar de a ver e conocer, yes!

MODA – Muito obrigada!

ZÉ – E que novidades nos apresenta?

MODA – Oh! O meu império é absolute! Vou-lhes mostrar a minha influência na divina arte da dança. Eis, neste capítulo, as minhas últimas criações!

*

(Vão entrando várias danças, segundo as exigências da música, e vão saindo: minueto, valsa, tanga, charleston, fox-trot)

*

PANGLOSS – Mim não gostar destas danças de agora! Serem dances de pretos!

MODA – Pois tenha paciência, mas atrás do «charleston», há-de vir dança ainda mais esquipática. Mas quer ver até onde vai o meu império? Ouça (Para Papo-Seco) Papo-Seco, preciso do seu auxílio. (Canta)

Já dizem todos, todos,

todos dizem à porfia...

 

MODA E PAPO-SECO – Já dizem todos, todos,

                                              todos dizem à porfia:

 

MODA – Olha a menina, menina,

                 que tem a sua mania.

MODA E PAPO-SECO – Olha a menina, menina,
                                               que tem a sua mania.

CORO –

Anda o luar

lá pelos céus,

a namorar

os olhos teus!


Anda o luar

lá pelos céus,

a namorar

os olhos teus!

MODA – Olho assim e assim;
                 assim, assim eu sorrio.

PAPO-SECO – (Exagerando)

Ela olha assim, assim;

assim, assim ela sorri.

MODA – Assim, assim eu ando;
                assim, assim me desvio!

PAPO-SECO – Assim, assim ela anda;
                             assim, assim se desvia.

MODA – Assim, assim me abano;
                assim, assim eu cortejo.

/ 52 /

PAPO-SECO – Assim, assim se abana;
                            assim, assim ela corteja.

MODA – Assim, assim eu valso;
                 Assim, assim eu solfejo.

PAPO-SECO – Assim, assim ela valsa;
                             assim, assim ela solfeja.

MODA – Lábios e faces rosadas

PAPO-SECO – Com carmim!

MODA – Dentes formosos põe o dentista

PAPO-SECO – De marfim!

MODA – Erguem ancas duas arcadas

PAPO-SECO – De balão!

MODA – O seio, alteia-se com almofadas

PAPO-SECO – De algodão!

CORO –

Anda o luar

lá pelos céus,

a namorar

os olhos teus!


Anda o luar

lá pelos céus,

a namorar

os olhos teus! 

ZÉ – Sim, Senhora! Aqui está uma boa definição da época. Ai, Moda, Moda, quanto te devemos! (Outro tom) Não há dúvida! Tu és o terror dos pais, dos maridos, dos noivos e ninguém te pode resistir!

MODA (Para Papo-Seco) – Vamos! (Empurra-o) Discutam lá isso, sozinhos, que eu tenho mais que fazer! (Sai com Papo-Seco. Entra um estudante)

*

ESTUDANTE (Para Pangloss) – V. Ex.ª é que é o Dr. Pangloss?

PANGLOSS – Yes! Eu mesmo! Que querer?

ESTUDANTE – Eu e vários colegas meus desejamos apresentar-lhe o nosso fado. Não. lhes é isso desagradável?

ZÉ – Pelo contrário, senhor académico. Mande lá vir a sua troupe! E sejam benvindos!

ESTUDANTE (Para dentro) – Rapaziada! Avinça! (Entram estudantes. Escurece a cena, até tomar a tonalidade do luar)

*

ESTUDANTE (Canta) –

O fado dos Portugueses

quantas histórias nos narra!

É uma alma que chora

nas cordas duma guitarra.

Que doces são as tentações

CORO – As tentações.

ESTUDANTE – Dum coração que sabe amar!

CORO – Que sabe amar!

ESTUDANTE – Ao ouvir-se, no além da noite,
                            triste, uma guitarra a chorar!

CORO – Ao ouvir-se, no além da noite,
                triste, uma guitarra a chorar!

ESTUDANTE – As capas dos estudantes
                             teceu-as a Mãe de Deus,

                             para que o amor das mulheres,

                             ai, pudesse entrar nos céus.

CORO – Ao ouvir-se, no além da noite,
               triste, uma guitarra a chorar!

ESTUDANTE –

Vamos embora depressa,

– capas, voai, ai que dor! –

pelas nossas namoradas

pedir a Nosso Senhor!

CORO – Que doces são..., etc.

(Havendo bis)

ESTUDANTE –

As nossas capas, Senhores,

são orações de tristeza,

negras dizendo o destino

desta terra portuguesa.

CORO – Que doces são..., etc.

ESTUDANTE –

Vai subindo para Deus

Portugal, terra bizarra,

nas dobras de cada capa,

nas cordas duma guitarra!

CORO – Que doces são..., etc.

(Vão saindo devagar. A luz reaparece)

*

PANGLOSS – Curiose! Quando ouvir o fado, ficar sempre muito triste, muito melancolique!

ZÉ – Ouço grande sussurro de vozes. Que será?

PANGLOSS – Revolution?

ZÉ – Nada! Aveiro é a pacatez personificada. Desde 1828 que não há revoltas em Aveiro. Minto! Houve, em 1901, a chamada «Revolta do grelo»! (Observando) Ih cos diabos! Que grande manifestação! Querem ver que vão para a Junta? Esperemos. Dirigem-se para aqui. Nem de propósito! (Entram a Comissão de Defesa e Populares)

*

POPULAR (Com grande ênfase) – Viva a Comissão missão da Defesa e Propaganda de Aveiro, seu Distrito e mais coisas!

TODOS – Viva, viva!

POPULAR – Viva a nossa salvadora!

TODOS – Viva! (Cantam)

/ 53 / Viva a nossa salvadora!

Tchim, tchim, ratatchim!

Comissão piramidal,

Pum, ratapum, pum, pum!

 

É uma grave Senhora!

Tchim, tchim, ratatchim!

Outra não se encontra igual,

pum, ratapum, pum, pum!

 

Pois que comissão assim,

Tchim, tchim, ratatchim!

Todos bons a um por um,

pum, ratapum, pum, pum!

 

Comissão assim,

tchim, tchim, ratatchim!

só um, só um,

pum, ratapum, pum, pum!

tchim, tchim, ratatchim,

pum, ratapum, pum, pum!

COMISSÃO DE DEFESA (Cantando) –

Obrigada, obrigadinha,

por tais manifestações.

Sou de vós tão amiguinha,

que comovo os corações.

A Junta, certos estai,

vosso ninho há-de velar;

será um segundo pai

que vos há-de vigilar.

 

TODOS –

Comissão assim,

tchim, tchim, ratatchim!

só um, só um,

pum, ratapum, pum, pum!

tchim, tchim, ratatchim,

pum, ratapum, pum, pum!

COMISSÃO DE DEFESA (Declamando) – Podeis contar absolutamente comigo. Sem ser preciso que nos macemos, tudo se há-de fazer! Hotéis, estradas, batalhas de flores na ria, festas... eu sei lá! O nosso lema é progresso, progresso sempre progresso! Em resumo: para a frente é que é o caminho! Portanto, meus bons amigos... (Canta)

 

É esperar,

é descansar;

é pois, deixar

tudo acabar!

É destruir,

é abolir,

é minar,

é arrasar.

 

 

 

TODOS –

Pica pau,

pica pau,

pica pau:

pau pau!

JUNTA –

 

Interesses

directos

picar tudo

em projectos!

Dragagens,

sondagens,

são tudo

miragens.

 

 

TODOS –

Pica pau,

pica pau,

pica pau:

pau pau!

ZÉ – Ó Senhora Comissão, porque é que V. Ex.ª não começa por implantar em Aveiro a filosofia do Dr. Pangloss?

COMISSÃO – O quê! (Para Pangloss) É V. Ex.ª o Sr. Dr. Pangloss, o super-sábio que quer deixar-nos?! Tem graça! Vínhamos precisamente à procura de V. Ex.ª!

PANGLOSS – Que querer de minha persona?

COMISSÃO – Pedir-lhe o favor de ficar em Aveiro, até que a cidade consiga ver realizados os seus sonhos de há um século: a construção do seu porto. Só V. Ex.ª nos pode salvar e valer!

PANGLOSS – lmpossible ficar. Tenha paciência! Vou partir! Deixar em Aveiro a minha filosófia. Se Aveirenses a aproveitarem e seguirem, eu regressar e tudo progredirá. Se Aveirenses continuarem indiferentes, dizendo mala uns dos outros, e divididos, então nunca mais vir Aveiro. Vou partir. Adeus, amigo ZÉ! Adeus, Amigo Tainha! Sigam minha folosófia!

*

Os populares juntam-se. Dispõem-se aos lados do palco. Sobe o pano do fundo e aparece a fachada da estação da C. P. Todos acenam com lenços. Cantam:

MENINAS – Na hora da despedida
                      os corações levantemos!

RAPAZES – Sim, levantemos!

MENINAS – Pela nossa própria vida
                      trabalhar aqui juremos!

RAPAZES – Sim, juremos!

MENINAS – Pangloss vai-se embora;
                      não o havemos de ‘squecer!

RAPAZES – De esquecer!

MENINAS – Não esquecemos, não Senhora,
                      porque não queremos morrer!

RAPAZES – Não morrer!

TODOS –

Sua sã filosofia

nervos dá e alegria!

Viva, viva Pangloss,

para que Aveiro remoce!

Viva o nosso redentor,

que nos dê vida e calor!
 

Viva o nosso redentor,

que nos dê vida e calor!

Terminado o canto, ouve-se o chefe da estação dar o sinal da partida do comboio.

(Cai o pano)

Fim da peça de teatro

 

páginas 37 a 53

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