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                «Às vezes lembro-me daquele desabafo 
                da tia Maria do juiz: – A minha sorte é como a desgraça dos 
                outros. Mas mesmo assim ela criou os filhos, bastinhos como os 
                dedos e conservou as suas terras e a sua dignidade numa viuvez 
                precoce até à sua longa velhice. 
                  
                
                
                Era uma figura curiosa e que nunca mais esqueci. Ainda me lembro 
                do pai dela que foi alfaiate, troncudo e baixote que acabou aos 
                meses, por casa dos filhos e foi morrer a casa da nora Florinda 
                Costa. Foi de esquife para a sepultura. O esquife era uma 
                maneira económica de levar os mortos para a sepultura, e assim 
                se usava na minha aldeia quando eu era garoto. Agora não sei se 
                a civilização terá podido vencer a miséria. Fui vê-lo morto. 
                Tinha calçados uns sapatos, todos feitos de papel envernizado. 
                Para aquela viagem serviam perfeitamente. Não teve necessidade 
                de reclamar do fabricante. O que ainda não acabou ali foi o 
                sistema das medidas ou dos meses que aqueles velhos passam por 
                casa dos filhos a quem deram as terras que possuíam e que é um 
                sistema trágico.» |