◄◄◄
UI –
Pontes de trânsito. Para a passagem de pessoas, animais ou
veículos, não são suficientes os caminhos ou estradas com seus
aquedutos. São também necessárias pontes construídas sobre os rios ou
vales, para não haver interrupção no trânsito.
Freguesia de S. Maria de UI e suas pontes de maior
trânsito para utilidade do povo.
– a) Sobre o rio Ul:
– Ponte do Cavalar, de três arcos (para Loureiro);
– Ponte da Salgueirinha, de um arco, de pedra (para UI);
/
217 /
– Ponte da Salgueirinha, de um arco, de pedra (para servidão de
moinhos);
– » «de pé», construída em madeira, no lugar de
Porto de Vacas;
– » provisória, de madeira, no lugar de Igreja, construída junto das ruínas de outra, de pedra, que a cheia fluvial derruiu
em 1879, de 9 para 10 de Fevereiro.
– b) Sobre o rio Antuã, também conhecido pelo rio
Ínsua:
– Ponte da Barreta – em madeira;
– » do Avelão – em pedra;
– Idem » »
– idem;
– Idem » »
– idem;
– Idem » »
– em madeira;
– Idem do Crasto – em pedra, mas em ruínas.
NOTA – Bastantes moradores da freguesia de UI sofreram muitos
prejuízos e arrelias, quando da enchente fluvial do UI e Antuã, de 9
para 10 de Fevereiro de 1819.
Essa enchente, pela corrente vertiginosa das suas águas, arrastou os
açudes da beira dos dois rios que represavam as águas para as levadas
dos moinhos e irrigação das terras, e ainda todo o cereal que, nos
moinhos, esperava a sua vez para a laboração.
O prejuízo causado, que atingiu 110.000$00, deixou embaraçados bastantes
negociantes do artigo.
Não houve víutimas por ter sido de dia. De contrário, a enchente
investiria as casas dos moinhos, pela escuridão da noite, com grande
perigo de vidas!
CAPÍTULO SEXTO
Factos documentados do passado ulense.
Não deixará de ser agradável ao povo de UI arrancar
das sombras da noite para a luz clara do dia algumas velharias da sua terra, atendendo à sua raridade.
Vejamos:
I –
Venda de um casal, no Paço (lugar do) por um
cavalo. Sobre um pequeno outeiro, da freguesia de UI, não longe do rio
UI, existiu, nos tempos longe idos, um solar de família nobre, conhecido
ainda hoje pelo nome de «Paço» e, nesse sítio, um casal que foi vendido,
em 16 de Julho de 1103,
por um cavalo no valor de cem soldos, moeda da época.
Assim o prova o documento a seguir transcrito:
«ln Dei nomine. Ego Gumzaluo Suariz domino Deo
eterna salute amen. Placui mici per bona pacis et uoluntas ut faceremus
ad tiui Eremesimda kartula uenditjonis de uno kasal in Palacios que kaabi Gundisaluo cum iermano Nuno
/
218 /
Suariz et quanto abe Nuno in Palacios pone illo Gundisauo in karta ad
dona Ermesinda in defesas (deturpação de in devesas) in plantatos in kasas per suis locis et terminis antiquis ubi illa potueritis inuenire
qum qantu in se hoctine (deturpação de continet) ab ominis ad prestitum
est pro que acepimus de uos precium uno kavalo in C solidos tanto ad
mici bene conplacui et de precio non rema[n]sit pro dare in deuito.
Abeatis uos illa firmiter et omnes posteritas uestra iuri quieto
faciatis de illa que uolueritis. Abe ipso kasal iacentja in uila Palacio
subtus mo[n]tis Cotal discuremte Antula. Et si aliquis omo ueneri uel
uenerimus contra hac factum nostrum ad inrumpendum et nos illa ad
concilio deuidigare non
potuerimus post uestra parte pariemus ad uobis illa ereditate
duplata uel in tripo auc quamtum ad uobis fueri meliorata et uos
perpetim abitura.
Facta kartola uenditjonis et firmitatis in die quod erit XVII
Kalendas Agustas et in Era MCX(L)I. Gundisaluo
Suariz in hac Kartula uenditjonis manos mea rouorau – it.
Qui preses fuerunt. Menendo ts., Rodoricu ts., Gundisaluo ts., Petro ts.,
Pelagio ts., Ramiru qui notui». (Documentos Medievais Portugueses
– VoI.
IIl – a pág. 110, sob o N.º 126).
Segue a sua versão em português:
«Em Nome de Deus. Eu Gonçalo Soares, em Deus
Nosso Senhor, a salvação eterna. Amen.
Apraz-me por boa paz e vontade fazer a ti, Ermesinda,
carta de venda de um casal que possuo no «Paço» (a poente do UI).
(Comigo) Gonçalo, Nuno Soares (meu) irmão, cede, na mesma carta de
venda, à senhora Ermesinda quanto tem no Paço para plantação de
castanheiros (souto) nas vivendas (dos moradores do casal) por seus
terrenos em redor e marcos
antigos, onde vós (senhora Ermesinda) puderdes encontrá-Ios,
com (tudo) quanto neles (bens alienados) se contem e é de utilidade para
o homem, porque recebemos o preço de um
cavalo (no valor) de cem soldos, para mim (Gonçalo Soares)
muito do meu agrado por causa do pagamento não ficar em débito.
Conservai vós aquela propriedade por firmeza (do contrato) e
toda a vossa posteridade; e, com direito pacífico,
fazei dela o que quiserdes. O mesmo casal é situado na vila
«Paço» sob o monte Codal, ladeado pelo rio UI (não confundir com o rio Antuã). E, se algum homem (estranho) ou nós (pessoas da
minha geração) vier, ou viermos contra esta nossa carta de venda para
anular, e nós não pudermos reclamar a vosso interesse (i. é. defendermos
o vosso direito), pagaremos
/
219 /
a vós essa herdade duplicada ou triplicada, e ainda
os melhoramentos que nela continuadamente tiverdes feito.
Feita (esta) carta de venda e firmeza, em 16 de Julho de 1103.
Gonçalo Soares corroborou com sua mão esta carta de venda. Ao que foram
presentes:
Menendo – testemunha.
Rodrigo – testemunha.
Gonçalo – testemunha.
Pedro – testemunha.
Pelágio – testemunha.
Ramiro a redigiu.»
NOTA –
O nome de «Paço» (casa do), situado na freguesia de Santa
Maria de UI, a que alude o documento transcrito neste capitulo com a sua
tradução em português, é bastante conhecido em toda a freguesia e terras vizinhas, não só pela sua antiga designação fidalga, mas também
pela tradição regional de ter sido o mesmo Paço (casa do) solar nobre de um
Senhor da freguesia de Ul. Esse «Paço» fica a Poente do rio UI (e não
Antuã) numa extensão de trezentos metros. O supradito documento situa
o Paço (casa do) no monte Codal, devendo este monte assinalar-se como
ponto de referência que não pelo seu topónimo, pois não existe (nem
consta)
povoação, ou casa, na freguesia do Codal, com a denominação de Paço.
Caso semelhante se deu com o monte Castro Recarei, da freguesia de S.
Martinho da Gandra, também do concelho de Oliveira de Azeméis, o qual
foi tomado, nos tempos medievais, como ponto de referência para algumas
localidades a Oeste do dito Castro Recarei.
Essas localidades, além de outras, têm os nomes seguintes: S. Donato,
Ovar, Azevedo, ínsua e Maçada. Vide «Documentos Medievais Portugueses»
– vol. III – e respectivos números – 15, 56 e 261.
Pelas observações aqui apresentadas, depreende-se que o «Paço» supra
mencionado foi e continua a ser da freguesia de Santa Maria de UI.
Outro facto:
II –
Uma ordem do reverendíssimo Bispo do Porto
de 1807
(extraída do Livro das Visitaçôes Pastorais, de UI).
«Dom António de S. José de Castro, por mercê de Deus
e da Santa Sé Apostólica, Bispo do Porto, do Conselho do
Príncipe Regente Nosso Senhor, etc. A todos os nossos
diocesanos –- saúde e paz em Deus Nosso Senhor.
Fazemos saber que, tendo S. Alteza Real ordenado no
seu real Decreto de 26 de Novembro próximo passado, que
as tropas do imperador dos franceses sejam bem aquarteladas
e assistidas de tudo o que lhes for preciso, evitando todo e
qualquer insulto que se possa perpetrar, conservando-se
sempre a boa harmonia que se deve praticar com os exércitos das nações aliadas; e sendo conveniente que estas reais
Ordens se propaguem e difundam por todas as freguesias e
aldeias deste bispado.
/
220 /
Havemos por bem ordenar que todos os rev. párocos da Nossa Jurisdição,
não só intimem aos povos na cadeira paroquial, mas ainda promovam a
execução delas por insinuações particulares, fazendo-lhes conhecer a
obrigação que têm de as observar, e quanto assim convém aos seus
interesses e pessoas e à tranquilidade pública. E recomendamos muito aos
rev. párocos que sejam os primeiros em dar exemplo nos bons ofícios de
hospitalidade e caridade com que devem ser recebidas e tratadas as
sobreditas tropas aliadas e amigas, todas as vezes que suceda
transitarem pelas suas respectivas freguesias.
E para que esta nossa ordem mais facilmente possa constar e chegar à
notícia de todos os nossos diocesanos, os Rev. párocos farão remeter ao
que se seguir com toda a brevidade, deixando a copiada no Livro dos
Capítulos, e extraindo uma cópia que farão afixar no lugar público de
sua igreja para que a todos seja patente, além da publicação por nós
recomendada. Cada um dos rev. párocos assinarão, nas costas desta, de a
terem recebido e remetido ao que se seguir, e o último fará remeter ao
nosso escrivão da Câmara, Manuel Lopes
loureiro.
E eu, António José de Oliveira, a subscrevi:)
OBSERVAÇÃO –
A supradita ordem, escrita com o coração enternecido, foi uma medida de prudência do Bispo para conveniência e calma
dos seus diocesanos, e suster a perpetração de morticínios e de muitas outras calamidade, porque em tempo de guerra não há caridade com os
pobres, nem misericórdia com os enfermos.
Dissuadido o Bispo da "pax bonae voluntatis" e pressentindo a aproximação da entrada do inimigo no Porto, tomou o caminho de Lisboa,
levando consigo o cofre militar. Bem sabia o Bispo que, no Porto, não
era
Isento do tribunal revolucionário e nem da guilhotina!
III –
Familiares da Santa Inquisição em S. Maria de Ul.
A Santa Inquisição teve os seus familiares na freguesia
de S. Maria de UI. Esses familiares eram funcionários menores dos
Tribunais do Santo Ofício.
Para serem investidos na posse de familiar da Santa Inquisição, em dia,
mês e ano determinados, era preciso Carta do Tribunal do Santo Ofício e,
quando para o seu casamento, investigar oficialmente a pureza de sangue
da mulher que lhe convinha aceitar.
O cargo de familiar, para S. Maria de UI, foi conferido
aos indivíduos seguintes:
– Em 31 de Janeiro de 1695 – João Pinheiro de Mauris,
casado, mercador, natural de Santiago de Riba-UI, e morador em S.
Miguel de Oliveira de Azeméis, terra da Feira, bispado do Porto; filho
de Manuel Pinheiro e de Domingas André; neto paterno de Domingos
Pinheiro e de Maria Fernandes;
/
221 /
neto materno de Domingos André e de Isabel Antunes. Inquisição
de Coimbra. Maço 24, N.º 563.
– Em 31-5-1745 – Domingos da Rosa Varela, solteiro, negociante, natural
de Carcavelos, freguesia de Santiago de Riba-UI, morador em Vila Real de
N. Senhora da Conceição de Sabara das Minas de Ouro, bispado do Rio de
Janeiro; filho de Pascoal Manuel e de Isabel Jorge; neto paterno de
Gonçalo Manuel e de Domingas Antónia; neto materno de Domingos Jorge e
de Domingas Fernandes. Inquisição de Lisboa. Maço 34, N.º 620.
Observação. Tem juntas as diligências (investigações oficiais) de Rosa
Felizarda, natural do Porto, para o efeito de casar com este familiar,
concluídas em 9-8-1749.
– Em 31 de Janeiro de 1746 – Francisco da Silva, mercador de panos de
linho, natural de Santa Maria de UI, concelho da Bemposta, bispado do Porto, comarca de Esgueira, e morador na
vila de Redondo, bispado de Évora; filho de Domingos da Silva e de
Domingas Fernandes; neto paterno de Pedra Fernandes e de Maria
Fernandes; neto materno de Manuel Jorge e de Maria Fernandes; irmão
inteiro de Manuel da Silva, familiar do Santo Ofício na Inquisição de
Évora, Inquisição de Évora. Maço 67, N.º 1253.
Observação. Tem juntas as diligências (investigações oficiais) de
Eufrásia Maria, natural da freguesia de Santa Susana, concelho de Moura,
para o efeito de casar com este familiar, as quais foram reprovadas em
18-3-1760, por cristã nova e mulatisse, em grau proibido.
– Em 22 de Junho de 1753 – Domingos de Oliveira, solteiro, boticário, natural da freguesia de Santa Maria de Ul, comarca de
Esgueira, bispado do Porto, assistente na botica da Casa professa de S.
Roque de Lisboa; filho de Anselmo dos Anjos e de Adriana de Oliveira;
neto paterno de Pascoal dos Anjos e de Clemência do Couto; neto materno
de Manuel de Oliveira e de Isabel de Andrade. Inquisição de Lisboa.
Maço 39, N.º 685.
– Em 13 de Agosto de 1801 – Domingos Fernandes Alves, negociante,
natural e morador de Santiago de Riba-UI, comarca da Feira, bispado do
Porto; filho de Manuel Fernandes e de Ana Maria; neto paterno de
António Fernandes e de Maria Dias; neto materno de António do Couto e de
Maria «que por sobrenome não perca», todos da mesma freguesia.
Inquisição de Coimbra. Maço 57, N.º 892
(6).
NOTA –
Foi um grande serviço prestado à Pátria a extinção da inquisição ou tribunal do santo oficio, em 5 de Abril de 1821!
Enquanto ela vigorou (285 anos), muitas sevícias e crueldades foram
praticadas, à sombra da religião, por hipócritas beatarrões!
/
222 /
IV –
Homens de Ul ilustres em Letras.
Académicos ilustres, de Santa Maria de UI, do concelho de Oliveira de Azeméis, que apresentaram e defenderam suas teses em
escolas superiores de Coimbra, nos meados do século XVIII.
O sentimento religioso tem exercido grande influência em todos os
povos, através dos séculos.
E Santa Maria de UI, na sua existência já secular, tem mostrado também a
influência desse sentimento, não tendo esquecido o seu passado sempre
presente, para continuar
cristã no presente e no futuro.
Senão, vejamos:
Dois ulenses, um, de nome José Borges de Araújo e
Azevedo, e outro, chamado, João de Oliveira Soares, cursaram escolas
superiores em Coimbra, nos meados do século XVIII, tendo ambos preferido
os estudos teológicos e, portanto, os que mais se conformaram com a lei
moral e com a justiça, e ainda com o ambiente religioso da sua carinhosa
terra de UI.
Frequentou o primeiro o Colégio das Artes – Escola dos Jesuítas – de
1739 a 1744, em Direito Pontifício. Deste colégio, ao tempo o mais
importante de Coimbra e até do Reino, alguns académicos foram
professores públicos da Universidade. Apresentou o mesmo a sua tese na
língua latina, impressa e publicada em um véu de gorgorão de seda de
cor vermelha muito viva, franjado com filigrana de prata, oferecendo-a
em homenagem à Santíssima Virgem Maria com ânimo reverente e coração
humilde, suplicando assim a sua protecção, conforme a disciplina do
tempo.
E o segundo académico cursou a Universidade de Coimbra, de 1763 a 1768, em Cânones e Direito Civil. Bacharelou-se
(7)
em 13
de Julho de 1769, e formou-se em 15 de Junho de 1770, sempre nemine
discrepante (aprovado por unanimidade), tendo também apresentado a sua
tese, na língua latina, em um véu de gorgorão de seda de cor amarela,
franjado com filigrana de prata, oferecendo-a, consagrando-a, e
dedicando-a à Santíssima Virgem Maria com outros venerandos e singulares
títulos gloriosos; e a São João Baptista sob o patrocínio de Santo
António.
Cada uma das supraditas dedicatórias ocupa a parte superior de seu véu, e o assunto da respectiva tese a parte inferior
/
223 /
do mesmo véu. Estes véus, que continuam na residência paroquial,
não mencionam o ano da apresentação e defensão da tese, mas é de crer
que esse ano fosse o da impressão dos véus, como estão escritos nas
orlas dos mesmos, entre a terminação do assunto da tese e a filigrana
cercante.
As referidas teses foram formuladas, cada uma pelo seu académico com
tema diferente, para serem defendidas pelos mesmos, em público, perante
os examinadores, que foram seus mestres.
Nas páginas, a seguir, vai transcrita a 1.ª das duas teses, na língua
latina, com a sua versão em português, para mais fácil inteligência da
maioria dos seus leitores; da 2.ª damos apenas a tradução, para maior
brevidade.
I)
Tese
do
Académico – José Borges de Araújo e Azevedo
«Purissimo Sapientiae Fonti
lntaminato Sanctitatis Speculo
lmmenso Gratiarum Mari
Serenissimae Angelorum Reginae .
ld est
Mariae Virgini
Sanctissimae
Sub nitidissimis titulis
Conceptionis lmmaculatae
Et
Rosarii Sanctissimi.
(8)
Ex reverenti animo, et humili corde
D. V. C. et O.
Pontificias Conclusiones
De Promptas
Exsubtilissime notatis ad per difficilem texto in Cap. 2
de Postulatione Praelatorum
Patrocinante
Praeclarissimo, Ac Sapientissimo Domino
D. Christophoro de Almeida Soares
Quem maxima sapientia ad Clementinarum Cathedrae
Moderatorem dignissimum, Juris Pontificii Professorem eximium,
/ 224 /
ac Interpretem literatissimum; nobilitas, ac caeterae dotes ad
Regalis Divi Pauli Collegii Collegam ornamentissimum, et olim Rectorem
emeritissimum evenere, et innumerae virtutes Judicem fiscalem
aequissimum constituere, ad supremosque bonorum apices adhuc sublimabunt.
Propugnat
Josephus Borges de Araujo e Azevedo
Suo S. Pontiffiii Juris anno decurrentis mensis, hora.
Quaestio Principalis:
Utrum Episcopus possit eligi in Archiepiscopum? Negative.
Conclusio unica
1 Postulationis Praelatorum imprimis definitionem accipe,
quae inter alias à D. D. adductas, nec brevitate obscura,
nec longitudine, redundans nobis arridet:
Postulatio est. Petitio gratiae canonicè per Capitulum superiori facta de promovendo aliquem ad praelaturam, et dignitatem Ecclesiasticam ad
quam propter impedimentum, vel
defectum, in quo soleat dispensari, de jure eligi non potest.
2 Nec nos avertit ab hac definitione amplectenda, omitti in illa caetera
beneficia ultra Praelaturas, vel dignitates Ecclesiasticas, quae per
electionem solent provideri, quia de postulatione, quae in subsidium verae et propriae electionis fuit
introducta agimus, et per veram, et propriam electionem tantummodo
Praelaturas, vel dignitates provideri, non vero caetera beneficia,
defendimus.
3 Postulationis nostrae divisionem nullam admittimus; unicam tantum esse
Postulationem Praelatorum solemnem, et non simplicem, contra commune
defendimus.
4 Episcopus electus, et confirmatus in Archiepiscopum, vel
alterius Dioccesis Episcopum debet postulari, minimè elegi.
5 Non negámus tamen vinculo matrimonii spiritualis esse
suae Ecclesiae alligatum.
6 Hujusmodi tamen vinculum non esse de jure Divino indissolubile
enixè afferimus.
7 Unde consequenter dicimus, posse á Summo Pontífice dissolvi.
8 Neque hanc facultatem pro aliquo tempore in Conciliis
Provincialibus residere, negamus.
9 Imo totis viribus Conciliis Provincialibus defendimus potestatem Episcopos de una ad aliam Ecclesiam transferendi.
10 Etiam facultatem admittendi cessiones Episcopatuum habere,
contendimus.
11 In difficili articulo depositionis Episcoporum pro eorumdem conciliorum auctoritate pugnamus.
12 Hanc tamen ultra nonum seculum porrigere disciplinae
Ecclesiasticae monumenta non finunt.
/
225 /
[VoI. XVII -
N.º 67 - 1951]
13 Isto tamen seculo usum postulationis Praelatorum in Ecclesia, nec
praxis admisit, nec necessitas postulabat.
14 Idem seculis sequentibus, dum à Clero, et populo electio
Episcoporum celebrabatur, defendimus, simul afferendo,
Cleri et populi electionem nullum jus electo praestare.
15 Seculi 12, fine, initioque 13, firmatum jus eligendi Episcopos penes Capitula Cathedralium Ecclesiarum repetitur, ex quo tempore
conjicimus, et praxi, et necessitate usum postulationis Praelatorum
fuisse introductum in Ecclesia.
16 Parochi, et caeteri Beneficiati Episcopo inferiores non contrahunt
cum suis Ecclesiis matrimonium spirituale: unde dicimus, esse in
Episcopo eligendos, et non postulandos.
17 Contrarium de Cardinalibus Placet defendere contra commune, postulandos nimirum esse, non eligendos.
18 Laicus non potest eligi in Episcopum, valet tamen postulari, si utilem fore Ecclesiae speretur.
19 Aliter in Clericoo alterius Diocesis discurrimus, in Episcopum eligendum, non vero postulandum, firmiter tenemus.
20 Non professus non potest eligi in Praelatum religionis,
in qua professionem non emisit, potest tamen postulari.
21 Idem placet de simpliciter illegitimis, qui in jure Canonico,
et nostro Regio naturales vocantur asserere.
22 Non discurrimus similiter de incestuosis alio ve damnato
coitu, procreatis, quibus adjunge Bigamos, IlIiteratos, Homicidas, Perjuros, Infames, Ecclesiastici Interdicti violatores, quos
omnes nec eligi, nec postulari posse, defende.
23 His adnumerare lnfideles, Heraticos, Schismaticos vi, non
Jubiles.
24 De Infideli ad fidem converto si quaeras? In certamine
cum distinctione respondebimus.
25 Hereticum vero, haeresi publice abjurata, Ecclesiae reconciliatum impostulabilem indistincte reputamus.
26 Nec non irregularem quam vis laicus sit, cum communi
sententia haereticum reconciliatum judicamus.
27 De Schismatico Ecclesiae unitati reddito majus est dubium
secundum veriorem tamen sententiam, Schismaticum dicimus ineligibilem et impostulabilem.»
Segue a sua tradução em português:
À
Fonte puríssima da Sabedoria:
Espelho sem mancha da Santidade:
Mar
imenso das Graças:
Ou seja: .
À Santíssima Virgem Maria
/
226 /
Sob os mais resplandecentes títulos da
lmaculada Conceição e do Santíssimo Rosário,
Com ânimo reverente e
coração humilde
Dedica. Vota. Consagra. Oferece(9).
Estas conclusões pontifícias apresentadas, e coligidas,
despretenciosamente e sem ornato de linguagem, do texto in Cap. 2. «De
Postulação dos Prelados».
Sob o patrocínio
Do preclarissimo e sapientíssimo Senhor
D. Cristóvão de Almeida Soares – a quem a sua grande sabedoria elevou a
mestre digníssimo da Cátedra Clementina
(10), a professor exímio de
Direito Pontifício e presidente letrado; e a nobreza, e outros dotes a
professor do Real Colégio de São Paulo e, outrora, reitor insigne do mesmo; e inúmeras virtudes
elegeram a justíssimo juiz fiscal, e ainda ao maior grau das supremas
honras.
Defende:
José Borges de Araújo e Azevedo
do seu 5.º ano de Direito Pontifício, no corrente mês e dia.
Questão principal:
Se o bispo pode ser eleito para arcebispo? Não.
Conclusão única:
1 Antes de mais nada, recebe a definição da postulação dos Prelados que,
entre outras apresentadas pelos Doutores, nos parece mais de aceitar por
não ser menos clara na sua brevidade, nem demasiado longa.
Postulato est
–
Petição da graça feita canonicamente pelo Capítulo ao
Superior para promover alguém à prelatura e dignidade eclesiástica, para
a qual em razão de impedimento ou defeito, em que costuma haver
dispensa, de direito não pode ser eleito.
2 Não nos afasta de abraçarmos esta definição o omitirmos nela outros
benefícios, além das prelaturas ou dignidades eclesiásticas, que
costumam ser providas por eleição, porque tratamos da postulação que foi
introduzida em benefício de uma eleição propriamente dita, e defendemos
que somente as prelaturas e dignidades são providas
/
227 /
por uma eleição propriamente, mas não os restantes benefícios.
3 Não admitimos divisão da nossa postulação; defendemos
somente, contra a opinião comum, que há uma só postulação dos prelados solene e não simples.
4 O bispo eleito e confirmado deve ser postulado e não
eleito para arcebispo ou bispo de outra diocese.
5 Não negamos, contudo, que ele fique ligado pelos laços
do matrimónio espiritual à sua igreja.
6 Este vínculo, contudo, defendemos fortemente – que ele
não é indissolúvel por direito divino.
7 E, por conseguinte, dizemos que o Sumo Pontífice o
pode anular.
8 Não negamos que este poder, por algum tempo, pode
competir aos Concílios Provinciais.
9 Mesmo, com toda a força, defendemos que os Concílios
Provinciais têm o poder de transferir os bispos de uma
para outra igreja.
10 Defendemos também que eles têm a faculdade de aceitar
as resignações dos bispados.
11 Na difícil questão da deposição dos bispos defendemos
também a autoridade dos mesmos concílios.
12 Mas, esta autoridade, os documentos da disciplina eclesiástica não nos permitem remontá-la além do século IX.
13 Neste século,
porém, nem a disciplina admitia, nem a necessidade exigia o uso da
postulação dos prelados na Igreja.
14 Além disso, nos séculos seguintes, quando a eleição dos bispos era
feita pelo Clero e pelo povo, defendemos e provamos que a eleição pelo
Clero e pelo povo não conferia direito algum ao eleito.
15 No fim do século XII e princípios do século XIII, foi
estabelecido que era o capítulo das igrejas catedrais que tinha o
direito de eleger os bispos e, desde esse tempo, concluímos que na
Igreja foi introduzido, na prática e por necessidade, o uso da
postulação dos prelados.
16 Os párocos e mais beneficiados inferiores ao bispo não contraem com
suas igrejas matrimónio espiritual; e, por isso, dizemos que os bispos
os elegem e não postulam.
17 Contra a opinião comum, quanto aos cardiais defendemos que devem ser postulados
e não eleitos.
18 O leigo não pode ser eleito bispo, mas pode ser postulado, se se
espera que isso venha a ser útil à Igreja.
19 Quanto a um clérigo de outra diocese, defendemos, e firmemente dizemos que pode ser eleito para bispo, mas
não postulado.
20 O não professo não pode ser eleito prelado da religião
em que não fez profissão; pode, contudo, ser postulado.
/
228 /
21 O mesmo nos apraz afirmar quanto aos simplesmente ilegítimos, que, no
Direito Canónico e no nosso Direito Régio, se chamam filhos naturais.
22 O mesmo não dizemos dos incestuosos, ou nascidos de outro coito
danado, aos quais se ajunte os bígamos analfabetos, homicidas, perjuros,
infames, violadores do interdito eclesiástico, os quais todos nós
defendemos não podem ser eleitos, nem postulados.
23 Não se duvide ajuntar a estes os
infiéis, hereges ou cismáticos.
24 Quanto ao infiel, que se converteu à fé, na dúvida, responderemos
com uma distinção.
25 Mas quanto ao hereje que, abjurando publicamente a
heresia, se reconciliou com a Igreja, julgamos indistintamente que não pode ser postulado.
26 Também o irregular, ainda que leigo, julgamos com a
opinião comum que o hereje reconciliado é irregular.
27 Quanto ao cismático, que voltou à unidade da Igreja,
duvida-se mais, mas, segundo a opinião mais verdadeira,
julgamos que ele não pode ser eleito nem postulado».
_______________
2)
Tese do Académico – João de Oliveira Soares
Mariae
Dei Genetrici
Regina Coeli
Et
Sanctissimae Trinitatis
Templo;
Sub suis singularissimis,
venerabillissimis titulis
Scilicet
A'
Puritate
Consolatione
Et
Monte Carmelo;
Nec non
S. Joanni Baptistae
Per manus
Divi Antonii
O. C.
D.
Conclusiones
Canonico-Civiles
Deductas
/
229 /
Ex elegantissime conscriptis ad
tit. ff. de Exceptione rei venditae, et
traditae, sub tit. de Emptione, et Venditione in Decretalibus
Patrocinante
Praeclarissimo ac Sapientissimo Domino
D. Custodio Emmanuele da Silva e Rocha,
Nostrae Regalis Academiae,
Sacrorum Canonum, Interprete praeacutissimo in Regali Militarium Collegio
(11) Collega
ornatissimo, ac saepe saepius Rectore vigilantissimo, in causis fidei Judice integerrimo ob innumera merita ad supremos dignitatum
apices posterum sublimando;
Propugnaturus
Joannes de Oliveira Soares
Suo S. Juris Canonici anno, die
hora
Segue a sua tradução completa em português, suprimindo-se, para maior simplificação, o texto latino:
A Maria
Mãe de Deus
Rainha do Céu
E
Templo da Santíssima Trindade
Sob os
tão venerandos e singulares títulos
Da
Pureza, da Consolação e do Monte Carmelo;
Bem como
A S. João Baptista,
sob o patrocínio de Santo António,
O. C. D.
Estas conclusões canónico-civis, que, tiradas do que tão belamente vem
escrito, nos títulos «da Excepção da coisa vendida e entregue» e «da
Compra e venda» das Decretais,
Sob os auspícios
Do preclaríssimo e Sapientíssimo Senhor
D. Custódio Manuel da Silva e Rocha
– muito atilado explicador dos
Sagrados Cânones na nossa Academia Real; leitor ilustrado no Real
Colégio Militar, e já neste várias vezes reitor vigilantíssimo;
integérrimo juiz nas causas da fé; por seus inúmeros méritos digno de,
ainda de futuro, ser elevado ao fastígio das mais altas dignidades.
Se propõe defender
João de Oliveira Soares
No dia e hora... do seu
quinto ano de Direito Canónico.
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Questão principal
Pergunta-se:
Aquele que vendeu e entregou a alguém uma coisa
alheias se depois se
assenhoreou da mesma e a quer reivindicar como sua, deverá ser repelido
pelo comprador, por «excepção» de
coisa vendida e entregue? Responde-se afirmativamente.
D. C. de Ulpiano, no, L. l, no princípio das
ff. Da «excepção» de coisa
vendida e entregue.
Tudo o que se empreende tratar racionalmente de
um assunto deve
começar pela definição do mesmo, para bem se compreender o de que se
discute, como bem ensina Cícero,
de Off. lI.
Comecemos, portanto, pela definição.
«Excepção» de uma coisa vendida entregue é uma espécie de «excepção», de má fé, que se opõe ao vendedor e seu sucessor,
quando este pretende reaver a coisa que vendeu. Para ela se dar, é
mister que haja uma venda verdadeira e propriamente dita; o que sucede
quando a coisa se troca pelo seu valor entre ambos os contratantes; e
essa troca deve ser
entre presentes, a consentimento de ambos. Daqui, optimamente se infere que a promessa de vender não é própria e verdadeiramente
uma venda; e isto, quer se faça a promessa antes da venda, quer não.
De uma simples promessa de aceitar mutuamente dinheiro, defendemos que
não há verdadeiro mútuo propriamente dito; assim como afirmamos que a
promessa de doar não é verdadeira doação.
Mais ainda: para que a nossa «excepção» tenha
lugar, requere-se que a
coisa comprada tenha sido entregue pelo vendedor. A «excepção» da coisa
vendida e entregue serve para conservar a posse da coisa comprada e para
repelir o vendedor que reivindique para si a coisa vendida.
Se, porém, esta «excepção» competirá eficazmente ao comprador antes de
ter pago o valor a quem lhe vendeu a coisa, é difícil defini-lo;
contudo, nós estamos com a opinião dos que negam; nem é suficiente que
o comprador pague só particularmente.
O domínio da coisa vendida não se transfere para o
comprador, antes de ele pagar o seu preço ao vendedor.
Mas, se por esta «excepção» deve ser repelido aquele que, vendendo a
coisa alheia, depois se assenhoreia dela com intenção de a reivindicar,
é o que precisa de examinar-se.
Parece-nos, a nós, que devemos estar pela opinião dos que afirmam. Daí
vem a discutir-se a questão seguinte: Assim como ao comprador compete a
«excepção» da coisa vendida e entregue para repelir o vendedor,
assenhoreando-se da coisa vendida, sem que essa «excepção» perca do seu
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valor pela reduplicação do justo domínio, porventura, da mesma maneira,
competirá ao espoliado o interdito contra o que espolia, sem que por tal
«excepção» fundada em justo domínio se quebre tal interdito? É nosso o
parecer dos que afirmam.
Surge, porém, outra dúvida:
Deverá restituir-se, por inteiro, a um possuidor injusto,
por exemplo, um ladrão, se lhe foi tirado o que roubou violentamente, ou
disso perdeu a posse?
Concordamos com os que afirmam; e o mesmo se diga, ainda quando se
proponha a restituição contra o senhor espoliador da coisa da qual por
ele foi espoliado o ladrão.
O mesmo interdito compete à mulher espoliada daquilo
de que o seu marido lhe fez doação.
Ao mesmo Ulpiano no § Sed etsi etc. . . .
Aquele que tiver uma coisa alheia, e depois haja um herdeiro senhor da
mesma coisa para o vendedor, se quiser reivindicar como sua essa coisa,
deve, pela nossa «excepção», ser repelido.
Portanto, a venda de uma coisa alheia é válida? É boa a ilação. Mas
pensamos o contrário, se se trata da venda de uma coisa enfitêutica, sem
consulta do senhorio.
Da mesma forma discorremos quanto à estipulação e permuta de uma coisa
alheia. A penhora de uma coisa asseveramos que é inválida. Se alguém dá
em penhor uma coisa alheia e depois vem a ser herdeiro do senhor dessa
coisa, concede-se ao credor acção de penhora útil contra o devedor
já de posse da coisa penhorada, também aqui há que discutir.
Quando o senhor da coisa penhorada sucede
ao devedor que tinha penhorado
essa coisa, continua a valer a penhora? Julgamos que sim, e o mesmo
afirmamos, dado o caso de ao que fez a penhora suceder o dono da coisa
penhorada. Mas se o que concedeu alforria a um escravo alheio suceder ao
senhor do escravo, nem por isso fica válida a liberdade.
O contrário, porém, sustentamos, quando o senhor do
escravo for o sucessor daquele que concedeu a alforria.
Ao mesmo Ulp. no § Si quis, e § Celsus 3. do mesmo L. I, deste título.
A «excepção» da coisa vendida e entregue é prejudicial ao senhor, se
pretender reivindicar a coisa que o seu procurador vendeu e entregou
por ordem do seu senhor.
Mas se o dono manda ao procurador que não entregue
a coisa antes de ser pago o seu valor, e apesar disso, o procurador entrega a coisa antes do pagamento, o dono não pode ser repelido
pela sobredita «excepção».
O procurador estabelecido por um menor ou pelo fisco, quer em especial,
quer na generalidade, não pode afiançar o
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preço, mas deve vender por dinheiro presente, e transferir para o
comprador o domínio.
Quando o procurador vendeu por preço inferior ao que lhe foi ordenado
pelo dono, esta nossa «excepção» não obsta contra o dono mandante;
mas obstará se o mandatário completar, de seus próprios haveres, a soma
do valor, expressa no mandato, ou, então, faltando ela, a quiser
entregar.
Ao mesmo Ulp. no §. Si servus, do mesmo L. 1,
nas ff. deste título.
O escravo que sob pecúlio compra mercadorias, e antes de as entregar,
é,
por testamento do seu senhor, restituído à liberdade, prelegado a ele o
pecúlio, no caso de o vendedor querer depois reclamar as sobreditas
mercadorias, não pode, por esta «excepção», impedir o devedor da sua
petição.
Todavia, para que não fique sem defesa, conceda-se-lhe a «excepção» in
factum, para evitar aquela petição.
Ao mesmo UIp. no §. fin. no princ. e verso Nisi ejusd.
do L. I, neste
título.
O comprador tem «excepção» de coisa vendida e entregue, para repelir o
vendedor que reclama, ainda que não entrasse na posse da coisa por
entrega que o vendedor lhe fizesse, mas sim de outra parte. Esta
«excepção» não compete eficazmente ao comprador, se, aliás, o vendedor
tem causa justa para reclamar.
Ora pode ser causa justa: o não pagamento do valor, ou a
venda ter-se
efectuado com pacto de lei comissória, ou pacto comissório; e ainda, se
a venda foi feita com pacto de dia determinado.
Ao Pomp. D. C. no L. é. ff. deste título
Aquele que comprou uma coisa a quem é dono deve ser preferido ao que a
comprou, em segundo lugar, ao mesmo vendedor, já dono dela. Se, porém,
no caso proposto, o primeiro comprador se ha-de preferir, em razão da equidade, ou então, no
rigor do direito, é a questão a discutir.
Quanto a nós, julgamos que é em razão da equidade. Então deve
preferir-se a equidade ao rigor do direito?
De bom grado o concedemos. Quando um vendedor, dono da coisa vendida, a
vende a dois, em separado e em diverso tempo, mas a nenhum dos
compradores foi entregue, deve também, nesse caso, ser preferido o
primeiro. Se a dois compradores um vendedor, verdadeiro dono, vender uma
mesma coisa separadamente e em tempo diferente, e lha entregar, também
neste caso dizemos que, tanto no conservar aquela coisa, como no exigir
e reivindicar o domínio dela, prevalece o comprador a quem em primeiro
lugar foi entregue a coisa vendida, ainda que a comprasse em último
lugar. Isto se entende e deduz também, se o mesmo segundo comprador
tiver pago o preço ao vendedor, ou ao menos
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233 / entre o
mesmo segundo comprador e o vendedor se estipulasse o preço, ao tempo
que era entregue a coisa vendida.
E, bem que a opinião comum sustente que não subsiste a solução quando se
fez a segunda venda defraudando o primeiro comprador, quer dizer, para
ele não ser primeiro a possuir a coisa vendida, e o segundo comprador
participou da fraude; contudo, a nós agrada-nos mais a contrária, de
forma que dizemos que o segundo comprador, mesmo que fizesse e
participasse da fraude, deve ser preferido ao primeiro, como afirmamos.
Confessamos, entretanto, que isto corre segundo as regras: porquanto se
o interesse do primeiro comprador consiste principalmente em ter a coisa
que se lhe vendeu, então julgamos que deve ser preferido ao segundo
comprador que participou da fraude do vendedor.
Se o dono de uma coisa a vendeu à Igreja, e depois a uma pessoa
particular, ainda que a tenha já entregado a essa pessoa, dizemos que,
neste caso, deve a Igreja ser preferida, apesar de a coisa ter sido
entregue posteriormente à pessoa particular, no contrato da venda.
Porém, se à Igreja apenas se fez promessa de venda, então não é preferida ao vendedor, a quem
depois foi a coisa vendida. Se a mesma coisa foi tomada de aluguer por
duas pessoas, em separado, deve preferir-se indistintamente pelo
alugador aquele a quem em
primeiro lugar foi entregue a coisa.
Quando um e mesmo dono, mas de boa fé, possuindo a mesma coisa, a tenha
vendido a mais dois e a tenha entregado, também deve ser preferido
aquele a quem primeiro tiver sido entregue a coisa, ainda que posterior
na compra. Mas se a coisa for vendida e, ao mesmo tempo, entregue a
diversas pessoas não donas, em separado, e in solidum a duas que compram
de boa fé, e entregue, não há que preferir distintamente o comprador, a quem primeiro a coisa for entregue, mas
então estiver de posse dela.
Finalmente, se a mesma coisa for vendida em separado por diversos
vendedores, e entregue a dois compradores, a um, contudo, dono, e a
outro, não dono, neste caso, deve ser preferido o comprador que tiver
comprado e recebido do dono a coisa.
À Pomp. de D. C. no L. 2, verso ao fim. ff. neste título.
Ainda que regularmente contra o dono duma coisa não
se admita acção publiciana, dão-se, todavia, alguns casos, em que contra
ele se possa intentar; e, assim, em primeiro lugar, se aquele a quem foi
dado um escravo por um possuidor não dono, em razão de prejuízos, perder
talvez a posse do escravo, e por sua vez o escravo se torne dono, tem
acção publiciana
para recuperar a posse mesmo contra o dono.
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Quando alguém por um decreto for investido em
posse
porque o dono não quis prestar caução pelo dano não
feito (?), ainda que depois volte ao dono o prédio – contra
esse há acção publiciana.
Se se compra a um, que não é dono, uma coisa, e depois,
presente o dono, o comprador for absolvido por sentença do
juiz, da petição do mesmo dono, pode pôr contra ele acção
publiciana, se depois o comprador perder a posse, e o dono
mesmo possuir a coisa.
Se o senhor é defendido pela «excepção» do domínio,
deve-se repelir por reduplicação de causa julgada.
O que compra uma coisa a um
procurador, sem mandado
do seu dono, e ao qual, antes de a entregar, fora proibido
entregá-la, pode intentar acção publiciana contra o dono, se,
não obstante a proibição, o procurador faz a entrega, e depois
o comprador perde a posse da coisa, e esta volta ao poder do
dono.
Deixando outros casos, dizemos que também compete a
acção publiciana contra o dono da coisa, nos termos do texto
da nossa lei segunda.
Ao Direito Canónico de Hermog., ult. L. § Pariratione
A «excepção» de que até agora falámos não só compete ao comprador, mas também aos seus sucessores, tanto
universais como particulares. E não só contra o vendedor,
mas contra os seus sucessores, quer universais, quer particulares.
Para terminar, achamos bem perguntar: Se aquele que
comprou, cientemente, uma coisa alheia pode reclamar do
vendedor o valor dela, se depois ela já estiver vendida pelo
próprio comprador?
Resolvemos afirmativamente.
ADVERTÊNCIA. –
O académico, apresentante e defensor da
I) tese,
concluiu o seu curso de Direito Pontifício, no Colégio das Artes –
Escola dos Jesuítas, de Coimbra, em 1744, data da impressão da mesma
tese na
tipografia do próprio Colégío, como se deduz do seguinte: «Conimbricae:
Ex Typ. in Regio Artium Collegio-Societ. Jesu. Anno Domini 1744. Superiorum
pace».
E o outro académico, da 2) tese, acabou o seu curso de Direito Canónico-Civil, na Universidade de Coimbra, em 1768, ano da impressão da sua
tese na tipografia da própria Universidade, como se deduz da indicação
constante da mesma tese: «Conimbricae: Ex Architypographia
Academico-Regia. Anno Domini 1768. Sup. facultate).
P.e JOÃO
DOMINGOS AREDE |