INTRODUÇÃO
A abertura da Nova Barra de Aveiro é um acontecimento notável em si, pelas suas transcendentes consequências, e muito mais ainda pelos cuidados e desvelos de
S. A. R.
para salvar os povos, deste vasto país noutro tempo florescente, mas que depois a miséria e a morte quase aniquilaram, empreendendo uma operação que os esforços repetidos de outros reinados não puderam realizar depois dos maiores
sacrifícios, e dos mais empenhados trabalhos, calculados e
dirigidos por hábeis engenheiros, hidráulicos, e outros sábios
tanto nacionais como estrangeiros, empregados em diversas épocas nas diferentes tentativas que se fizeram; as quais serviram só para estabelecer no ministério, no reino, e fora
dele, a desgraçada opinião de sua impossibilidade pelo bom
fundamento de haverem sido nulos os resultados de todos
os planos, e tentativas até ali sempre infelizes e malogradas.
S. A. R., arrostando novamente esta empresa já desesperada,
esqueceu todas as dificuldades que ela apresentava para seguir unicamente os magnânimos sentimentos do seu paternal
coração tocado pela suma desgraça de Aveiro, que na última
agonia invocou a régia clemência, dirigindo respeitosamente
aos pés do Trono as suas humildes súplicas pela intervenção do esclarecido e sempre ilustre D. Rodrigo de Sousa Coutinho, depois conde de Linhares; cuja opinião quase singular,
bem pronunciada, firme e decidida a favor de uma nova tentativa de abertura da barra para salvar
Aveiro, restaurar o
seu porto, e o país mais imediatamente interessado, habitação e património de mais de 100.000 vassalos, era conforme
aos desejos de S. A. R., e foi a que o mesmo senhor adoptou com heróica
firmeza: e confiando ao mesmo tempo este importante negócio ao activo ministério daquele incansável ministro nos fins de 1801, foi pela sua repartição que emanaram
no real nome em Janeiro de 1802 as ordens para a formação
dos planos relativos aos trabalhos da restauração física de
Aveiro; a qual foi felizmente realizada no sempre memorável
dia
3 de Abril de 1808 pela
efectiva abertura da Nova Barra;
dia em que Aveiro presenciou admirada, e nos transportes
de alegria que se não exprimem, o magnífico espectáculo de
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38 /
uma segunda criação, sim, um vasto e mui rico país, que
havia sido abismado pelas águas, condenado à nulidade e
confusão, e reduzido a um foco maligno de enfermidades,
saiu do Caos e viu a luz neste dia para sempre memorável; dia
venturoso, e com que prazer eu o digo!! Em que ficou
erigido um eterno padrão de grata memória à real munificência no mesmo país restaurado, e regenerado nos mais
dificultosos tempos, e extraordinárias circunstâncias da imortal regência de S. A. R. o Príncipe Regente Nosso Senhor.
Este notável e tão feliz acontecimento merece ser
geralmente conhecido no mundo, e com todas as circunstâncias
pela nação que se tem feito imortal nos nossos dias por tudo
quanto há de grande e particularmente pelo seu amor, fidelidade e confiança para S. A. R. supremo árbitro dos seus
gloriosos destinos; assim como ser transmitido à posteridade
para que as mais remotas gerações, que hão-de participar
como a presente dos seus importantes e transcendentes resultados, possam como a actual ter mais este grande motivo
para abençoar para sempre o augusto nome de seu restaurador.
Não quero passar mais adiante sem apresentar ao público os documentos
que provam o estado lamentável a que chegou
a barra de Aveiro, e todo o país dela dependente, e como se
havia desesperado já de abrir a dita barra para a mesma
cidade pela dura e custosa experiência dos baldados esforços
feitos em outros reinados; quando o Príncipe Regente Nosso
Senhor tomou a heróica resolução de a empreender novamente. Estes documentos escolhidos entre os mais principais são do
n.º 1 até n.º 10, lançados no fim da introdução;
eles foram fielmente copiados do Livro I do Registo da Superintendência da mesma barra, onde com outros muitos se
acham registados.
Sobre o estado deplorável a que chegou Aveiro, é muito
notável o documento n.º 1 da data de 1756 no qual se lê: − «Faço saber a vós bacharel João da Fonseca da Cruz,
Superintendente da obra da barra da vila de Aveiro, que, atendendo às representações que me fizeram os oficiais da Câmara,
nobreza e povo da mesma vila de se acharem os seus moradores reduzidos a
grande pobreza e miséria, sem terem meios
para poderem satisfazer o cômputo do seu cabeção, que é de cinco mil
cruzados, os quais lhes impuseram em atenção aos
direitos da barra, que já não tinham em razão de estar totalmente
areada em forma que por ela não podia entrar nem sair o mais pequeno
barco, e não só tinha cessado de todo
o comércio, mas também se inundava muita parte da vila
com as cheias pelas águas não terem expedição para o mar, do
que resultava irem desamparando a terra, o que também me
constava por várias informações, à vista das quais fui servido
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39 / mandar o
engenheiro Carlos Mardel examinar a dita barra, e fazer planos da obra».
Achar-se-á da mesma sorte pelos mesmos documentos a nulidade dos
resultados de todas as tentativas de abertura da barra até 1802, porque,
1.º Dos planos e projectos do engenheiro Carlos Mardel em 1756, de que
fala o documento n.º 1 já citado, nada resultou
(1).
2.º Dos.planos de que por ordem
de Sua Majestade fora encarregado, em 1758, Francisco
Jacinto Polchet com seu adjunto Luís d'Alincourt, e o sargento-mor engenheiro Francisco Xavier do Rêgo com seu
adjunto o tenente Adão Venceslau Hedes, acompanhados
todos pelo desembargador da Relação do Porto, Manuel Gonçalves de
Miranda, e pelo capitão-mor João de Sousa
Ribeiro (documento n.º 2), nenhum resultado houve favorável para a
barra. 3.º Igualmente não houve efeito da
comissão sobre a mesma barra, a que veio mandado o
tenente-coronel engenheiro Guilherme Elsden com o capitão do mesmo
Corpo, Isidoro Paulo Pereira, e ajudante do mesmo Corpo, Manuel de Sousa
Ramos em 1777 (documento n.º 3). 4.º Que dos planos e projectos do
arquitecto hidráulico João Iseppi, aprovados por Sua Majestade, que o
encarregou ao mesmo tempo da sua execução em 1780 (documento n.º 4), e
das enormes despesas consumidas nestas obras nada resultou de útil em
favor da barra; pelo contrário ela fugiu muito mais para o sul, e piorou consideravelmente durante e depois das obras, que foram suspendidas por
aviso régio em 1783, e mandado recolher o dito engenheiro hidráulico
João Iseppi, seu filho, e outros italianos empregados com ele,
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40 /
depois de se lhes fazer suas contas, contando-lhes tudo até
chegarem à Corte (documento n.º 6). 5.º Em 1781, Sua Majestade mandou ao desembargador superintendente das obras da
barra, Francisco António Gravito, que patenteasse os planos, as obras,
as máquinas hidráulicas, e tudo o mais que o professor hidráulico, lente de Matemática da Universidade de
Coimbra, José Monteiro da Rocha, quisesse ver e examinar,
para ele formar clara ideia de tudo, recomendando-o muito
honrosamente. Não sei qual foi o resultado da visita deste
sábio, que faz tanta honra à nação portuguesa, nem o conceito que ele fez da questão e das obras; só se sabe que dois
anos depois foram suspendidas as obras da barra, em que se
trabalhava ao tempo da sua visita hidráulica (documento
n.º 5). 6.º Em 1788, Sua Majestade mandou o marechal de
campo, depois tenente-general inspector de Artilharia e do
Corpo de Engenheiros, Guilherme Luís António de Valleré,
acompanhado de dois oficiais seus ajudantes (documento
n.º 8), a fazer um exame circunspecto do estado das obras
da Barra de Aveiro e das mais que nela se haviam projectado, e formar o projecto do seu adiantamento para continuarem. Mas deste exame nada resultou que fosse visível.
7.º Finalmente em 1791, ficou inteiramente malograda uma
última tentativa de um rigueirão que se mandou abrir no
areal meio quarto de légua abaixo de S. Jacinto ou Senhora
das Areias, com o fim de entrarem os barcos, e escoar as águas
encharcadas e pestilenciais da Ria, em razão de se não
ousar já tentar abrir barra para navios, como coisa sumamente dificultosa e
mais do que se pensava (documento n.º 10). Este projecto, antes que fosse executado por Nuno
de Faria da Mata, provedor que servia de superintendente,
e pelo engenheiro Luís d'Alincourt, foi ainda examinado de
ordem superior, pelo professor hidráulico Estêvão Cabral, que o
Ministério preferiu a todos os engenheiros da profissão que até ali
tinham sido mandados a Aveiro, que era muito
acreditado então, e dirigia as obras hidráulicas do Mondego;
mas não obstante tantos cuidados e desvelos empregados em
favor de Aveiro, tudo foi baldado, e de tais trabalhos nada
existe; em lugar do rigueirão pretendido para barcos em que
se fizeram grandes despesas, existiam em 1802 altas lombas,
que ainda hoje existem, e dunas continuadas até à Barra
Velha, quatro léguas para o sul do referido local onde se
cavou no pretendido rigueirão, que não chegou a existir.
Foram malogrados tantos esforços feitos por homens tão
escolhidos e acreditados, intentados em diversas épocas e
circunstâncias; pois sem ofensa da verdade, nem pretensão
de macular o crédito de tantas e tão respeitáveis pessoas que
eu muito e muito prezo, pode dizer-se que nada havia, e nada
existia em 1802 de tantos trabalhos e tantas despesas; e que
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41 / a Barra de
Aveiro em desprezo de todos os esforços da Arte até ali
praticados se achava, distante de léguas, ao sul de todos os lugares
onde se tem pretendido abrir ou segurar na sua marcha ruinosa para o
sul, que nenhum poder até então tinha suspendido nem estorvado.
Tais eram os fundados motivos que chegaram enfim a estabelecer a opinião desgraçada de que em Aveiro se não podia abrir
uma barra para navios. Esa opinião se vê expressamente manifestada nos
dois documentos n.º 9 e 10 mencionados, relativos ao rigueirão de 1791,
o 1.º dos quais diz assim: «Este rigueirão ou canal deverá ser limitado
na sua largura como aquele que somente se prepara para dar saída às
águas encharcadas, e entrada aos barcos que frequentam este porto,
removendo por ora toda a ideia de abertura da Barra ou canal para
entrada de navios, pois que, tendo mostrado uma custosa experiência
tantos anos, que nesta obra maior se tem trabalhado debalde, deve merecer maior
consideração o tentá-la de novo por meio de novas medidas e novos
planos... » etc. E o 2.º dos ditos documentos se explica deste modo:
«As obras da Barra, quanto à abertura há tantos anos projectada, outros
tantos há que por custosas experiências se tem visto serem de maior
dificuldade do que se pensava... etc.».
Por esta análise dos dez citados documentos, e pelo mais que eles
encerram, e sem ser necessário apontar outros, verá o público que muitas
vezes se tem pretendido abrir a barra
de Aveiro em diversos reinados, e diferentes ministérios, inclusive no
do marquês de Pombal; assim como o grande
número e importância das pessoas e facultativos chamados e empregados nesta empresa nas respectivas épocas; e como se havia
desesperado de o poder conseguir pela dura e custosa experiência da
nulidade absoluta dos resultados até ao ano de 1802 em que S. A. R., eu
o repito, tomou a heróica resolução de empreender novamente tão
escabrosa empresa já reputada impossível, e pouco depois, em 1808 teve a
glória imortal de realizar! Este conhecimento era muito preciso para que
o público pudesse estimar no seu justo valor as dificuldades de toda a
espécie que S. A. R. teve a vencer para salvar esta parte dos seus povos
e dos seus Estados.
Sem dúvida seriam estes os generosos motivos que inspiraram aos redactores do
Jornal de Coimbra os desejos que eles me
manifestaram de inserir no seu periódico o plano de uma circunstanciada notícia do processo dos efectivos trabalhos hidráulicos empregados na abertura da nova barra de
Aveiro, e
das suas resultantes consequências; pois que eles foram os primeiros
que, por via do seu judicioso jornal, têm perpetuado o facto da
restauração física do porto e país de Aveiro: tais serão também (se eu
posso ousar interpretá-lo)
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42 /
os motivos que o sábio providente paternal Governo que nos
dirige, e que tanto promove e anima os actuais trabalhos da
mesma Barra, terá para apoiar a execução; assim como são
todos eles os que me movem hoje, e com muito gosto, a
prestar-me à sua publicação; poderia obrigar-me a expor a
tanto a minha insuficiência, e até a esquecer por um pouco
os deveres da modéstia, que raras vezes consente o falar de nós mesmos, o que algumas vezes não poderei evitar.
Fica-me, porém, o sentimento de que não fosse uma pena hábil, e já
exercitada a quem hoje incumbisse este lisonjeiro
e importante dever; mas espero que o público, conhecendo
os meus fundados motivos, e a necessidade de ser eu mesmo
o instrumento, fará os precisos descontos, e terá comigo
generosa indulgência.
Tendo feito uma introdução à Memória(2)
que fiz em 1802
sobre o plano e projecto de abertura da Barra de Aveiro, que
então apresentei a S. A. R. na conformidade das ordens régias,
cuja Memória faz quase toda a matéria da 1.ª parte das cinco
em que divido o meu assunto, e não querendo agora nem
devendo alterar um escrito feito naquela época, a ela me
refiro para não repetir mais neste lugar as mesmas ideias lá
expendidas, o que não pude evitar inteiramente, não obstante
ser este o mais próprio, e onde elas teriam o melhor cabimento, mas que não teriam o mesmo valor; este grande
motivo me obrigou também a transcrever agora o mesmo
escrito tal qual então foi dado para satisfazer às ordens, e à
brevidade que se exigia, como se verá, e sem lembrança de
que um dia ele seria publicado.
Divido, como disse, o assunto em cinco partes, por haverem outras tantas épocas notáveis no decurso e progresso
desta empresa, e nas quais os trabalhos tomaram em certo
modo uma nova marcha pela mudança, e variedades das circunstâncias que ocorreram.
A primeira parte compreenderá a história resumida do
começo desta empresa, e trabalhos preparatórios para a formação do plano expendido em uma memória e mapa apresentado depois a S. A. R; a régia
aprovação, e as ordens
do mesmo Senhor para sua execução. Seguir-se-á a cópia
dessa mesma memória e plano então feitos, apresentados e
honrados com a aprovação de S. A. R., e terminará pela
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43 /
cópia das ordens régias mais análogas, e pelas que me respeitam, e me
foram dirigidas sobre tal comissão nos primeiros sete meses de Janeiro até Julho de 1802, que abrange esta 1.ª
parte; as quais se acham registadas nos livros do Juízo da
Superintendência das Obras da Barra de Aveiro, cujos originais conservo;
estes ofícios ou régios avisos vão textualmente copiados no fim desta
parte, assim como o serão nas outras os que respectivamente lhes
pertencerem.
Na segunda parte se descreverá a efectiva execução dos principais
trabalhos, as maiores dificuldades que se encontraram, e como se
venceram desde o princípio da obra em 1802 até fins de 1803; época
notável para a história dos Encarregados, e na qual deixei de ter
companheiro nesta comissão,
porque S. A. R. foi servido nesse ano encarregar-me da inspecção e
direcção das obras da Barra de Aveiro, e por então mesmo da direcção
das da Barra do Porto, como se verá das ordens régias, que igualmente no
fim desta 2.ª parte se darão por íntegra, com outros papéis ou extractos
que achei mais próprios para a documentar.
Na terceira parte se continuará a descrição dos trabalhos feitos, e
dificuldades vencidas desde o fim de 1803, em que fiquei só encarregado
das obras até à época memorável da
efectiva abertura da nova Barra de Aveiro, que felizmente consegui abrir
no dia
3 de Abril de 1808; mostrar-se-á qual era o estado da obra em
diversas épocas antes, e ao tempo da abertura da mesma barra; e no fim
desta 3.ª parte, como nas precedentes, se dará cópia das ordens régias,
e respectivos documentos.
Na quarta parte se descreverão os imediatos e importantes efeitos da
nova Barra na pronta restauração de todas as marinhas de Aveiro, de
muitos campos, da saúde pública,
e franca navegação para grandes vasos; ver-se-á a perfeita coincidência
dos resultados obtidos nesta 4.ª época das obras (que forma a competente
parte deste escrito) com os prometidos, e já calculados, e prevenidos
seis anos antes na
Memória e plano que então fiz, tenho executado, e agora apresento na 1.ª
parte. Descrever-se-ão todos os trabalhos feitos, e todas as mudanças
acontecidas nas obras, na barra
e no rio, e todas as dificuldades vencidas e trabalhos executados desde
1808 em que foi aberta a referida barra até agora; e como as precedentes,
será documentada.
Na quinta parte finalmente se dará uma ideia geral do que ainda resta a
fazer para ampliar as já obtidas vantagens desta nova barra, para a sua
perpetuidade e transcendência a outros objectos da maior importância; e
do mais que respeita
a este novo e belo porto de mar, que, tendo já restaurado as melhores
porções de duas comarcas, deve um dia pela sua, influência duplicar o
valor de meia Província da Beira.
/
44 /
Tive a fortuna de poder
documentar, como se deixa ver pela divisão
que deixo feita, o que se dirá neste escrito. É verdade que nas invasões de Soult,
e Massena, e quando
o serviço militar me chamou para os Exércitos(3), sofri mui
rigoroso saque, principalmente no ano de 1809, nos subúrbios
da cidade do Porto no quartel que eu muitos anos havia
ocupado em Lordelo do Ouro, ora como encarregado, ora
como empregado nas obras da barra daquela cidade e rio Douro, e conto a perda e extravio de muitos papeis que agora
me fazem falta; mas assim mesmo ainda conservo os mais importantes sobre Aveiro e os que bastam; algumas épocas,
porém, nem sempre poderão ir designadas com exacção de
dia e mês, por quanto os meus diários entram no número dos papeis que perdi; assim como perdi quase toda a minha
correspondência com o Ministério dos primeiros anos sobre esta comissão
de que apenas escaparam alguns avulsos e
trancados papeis; mas felizmente salvei em Aveiro quase todos
os ofícios que me foram dirigidos para ali nesse tempo, e sobre esta matéria, por onde se conhece a existência, e a natureza
daquela correspondência oficial.
Em todas as cinco partes verá o público com prazer,
reconhecimento e admiração, qual tem sido, durante onze anos de trabalhos nunca interrompidos(4), na mais desgraçada época de que
os homens possam recordar-se, pelo flagelo da guerra
actual, qual tem sido a constante predilecção de S. A. R. a bem dos seus povos de
Aveiro; predilecção mais visível e
decidida a favor destes, por isso que eles eram tão infelizes
no meio da grande família que Ele rege com tanta glória sua como proveito nosso. Retirado nos seus vastos domínios
além do mar, habitando outro hemisfério e outro mundo, quando a
tormenta política ameaçava a existência dos Estados e das Nações, Aveiro interessava ainda o seu coração! De lá e então mesmo S. A. R. faz ao Governo que o representa nestes reinos as mais positivas recomendações para que este
/
45 / continue,
e anime quanto lhe for possível as obras da barra de Aveiro.
Feita a restauração de Lisboa e do reino, e quando pude participar ao
mesmo augusto Senhor o feliz acontecimento da abertura da mesma barra,
S. A. R. se dignou mandar-me expressar em aviso datado do Rio de Janeiro
a 10 de Janeiro de 1809, entre outras coisas bem lisonjeiras, que «eu
não
podia ter dado uma notícia que lhe tosse mais agradável.». Depois, em
aviso de 30 de Agosto de 1810 me foi participado que S. A. R. reconhecia
os meus serviços feitos na barra de Aveiro, no rio Vouga, e terrenos por onde corre este rio. E em aviso de 24 de Outubro de 1811 se me
participa para minha satisfação, que por tais serviços
Sua Alteza Real
havia declarado «que eu merecia a sua especial e real protecção»
(5).
Tal foi o vivo interesse com que o mesmo augusto Senhor viu consumada a
felicidade de Aveiro!! Os documentos de tudo isto terão o seu lugar na
4.ª parte deste escrito, mas dos factos não pude deixar de fazer menção
aqui em prova do que digo neste §, e até (seja-me desculpada a minha nobre ambição, e nobre orgulho) o estimei por desejar antecipar, e que de antemão o mundo inteiro conheça a sensibilidade e todo o
efeito que excita em mim uma tão avultada recompensa dos meus trabalhos
e fadigas nesta parte do seu real serviço; pois uma tal declaração do
Soberano é a maior
recompensa que S. A. R. podia fazer-me, ou a que um
vassalo possa aspirar e conseguir; tão avultada, eu o repito, que a
minha vida será mui curta, e tudo quanto eu possa fazer de bom mui pouco
para acabar de merecê-la!
O nosso Governo activo e
paternal, que nestes reinos
representa S. A. R. durante a sua ausência saudosa, e em tempos tão
dificultosos tem feito prodígios em favor da obra do novo porto de
Aveiro. Foi ele quem melhorou as finanças quase aniquiladas da mesma
obra por efeito da guerra, e as pôs no melhor pé; ele tem dado as
providências, para
que nada tenha faltado; e isto quando havia tão pouco, e
eram tantas as precisões! Quando se trabalhava para salvar a Nação
inteira, o Governo repartia ainda os seus cuidados e vigorosos esforços,
e fazia quase impossíveis por esta parte dela, cuja felicidade era o
objecto constante, e que tanto
havia tocado o paternal coração de S. A. R. Na 4.ª parte se verão os
factos, e se mostrará que Aveiro é um exemplo
/
46 / dos muitos prodígios obrados pelo esclarecido Governo que nos dirige.
Devo mencionar neste lugar, que o Governo Provisional
do Porto logo nos primeiros dias da começada restauração em 1808, mandando suspender as obras públicas por uma
sábia e necessária medida de economia comandada pela primeira e mais
imperiosa necessidade, a salvação da Pátria, exceptuou a obra da barra
de Aveiro, a qual continuou sempre. Também, como por um milagre da
Providência, Aveiro não viu inimigos, apenas de passagem algumas dúzias de prisioneiros feitos nos primeiros ensaios precursores de tantos
e tão
incríveis triunfos! E os trabalhos da sua barra não foram jamais
estorvados por esse inimigo da espécie humana,
que devastou e profanou as nossas belas províncias. Esta circunstância,
e o haver eu sido constante e eficazmente auxiliado pelo Governo de S. A. R., me puseram na feliz situação de poder,
no meio da tormenta política e transtorno geral, e mesmo
captivo, cumprir as ordens que S. A. R. me havia
deixado; e Aveiro foi feliz no meio da desgraça geral!! Tal é a escala
por onde Aveiro deve medir, e certamente mede, os benefícios, e
privativos favores do melhor dos seus príncipes, e calcular a rigorosa divida da sua
eterna gratidão!
A eficaz assistência e protecção de S. A. R., e do Governo que nos
deixou e tão dignamente o representa nestes reinos, se tem manifestado
sempre nos sucessivos ministérios dos Ex.mo Conde de Linhares, Conde de
Anadia, Luís de Vasconcelos e Sousa, Conde de Vila Verde, António de Araújo de
Azevedo, D. Miguel Pereira Forjaz, e por diferentes maneiras no decurso
desta grande empresa; sendo muito notáveis o do Ex.mo Conde de Linhares
em que foi criada e começada; o do Ex.mo António de Araújo de Azevedo que a sustentou em uma
extraordinária crise de negras imputações contra a obra, e de suma
pobreza a que estava reduzida; e o do Ex.mo D. Miguel Pereira Forjaz;
sendo uma das providências, que muito tem concorrido para o bom êxito
da empresa, a escrupulosa e acertada escolha dos magistrados
superintendentes encarregados do ramo civil e económico das obras, o
provedor, depois desembargador do Senado, João Carlos Cardoso Verney;
e o seu digno sucessor o desembargador da Suplicação, Fernando Afonso
Giraldes, os quais são dignos do maior elogio; não é possível encontrar
mais zelo nem mais honra; eles me prestaram sempre uma pronta e mui eficaz cooperação para
executar as diferentes partes dos meus planos, e concorreram pela sua
parte, e quanto lhes foi possível, para o seu feliz resultado; eu terei mais de uma ocasião de fazer ver esta
verdade, sendo bem lisonjeiro para mim o possuir as provas dela para
produzir em seu lugar, e fazer conhecer os seus importantes serviços.
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47 /
O esclarecido Conde de Linhares sustentou com o mais
heróico entusiasmo
os interesses, e já desesperada causa de Aveiro; a actividade e firmeza
do seu carácter elevado venceu dificuldades e oposições de toda a
espécie, e até o peso das opiniões desfavoráveis de muitos sábios e
facultativos,
reforçados desgraçadamente pela experiência custosa da nulidade dos
resultados das passadas tentativas; ele pareceu exceder mesmo a sua natural actividade promovendo o começo dos trabalhos
para um esforço último a favor de Aveiro, aplanando todas as
dificuldades para a execução efectiva, e rápido adiantamento dos mesmos
trabalhos, enquanto não foi interrompido na carreira do seu ministério.
É admirável, e o público ouvirá com interesse e sensibilidade, que o
mesmo Ex.mo Conde no seu retiro, pelos anos de 1804, 1805, e 1806,
honrando-me algumas vezes com a sua correspondência particular, jamais
o assunto principal, ou para dizer melhor, todo o assunto deixou de ser
a Obra da Barra que me estava confiada. Estas cartas de que farei menção
na 3.ª parte, onde elas terão o seu devido lugar, mostrarão qual era em
circunstâncias tão diferentes a igualdade do seu grande ânimo, e a
firmeza dos seus inalteráveis princípios; no seio do seu retiro
político, os seus contínuos cuidados, e os seus votos eram sempre pela
prosperidade destes povos, e bem do serviço de S. A. R., que foi sempre o constante objecto
da sua vida preciosa. Toda a Nação lhe deve muito, porém, Aveiro sabe,
que depois de S. A. R. a ele deve o princípio da sua nova existência.
Mas se é tão raro encontrar o virtuoso entusiasmo
desenvolvido pelo Ex.mo Conde de Linhares para salvar Aveiro, que se dirá da
extraordinária constância e heróica modéstia do Ex.mo D. Miguel Pereira
Forjaz, continuando com esforçado zelo uma empresa que ele não havia
criado? O ser ela do empenho de S. A. R. e utilidade dos povos é quanto
basta para lhe merecer os maiores desvelos. Não é a glória de a criar,
a que a tem produzido muito boas e grandes causas, quem a convida nesta
ocasião, assim como lhe é absolutamente desconhecido o ciúme dos
sucessores, que tem muitas vezes sepultado no esquecimento, e às vezes
no desprezo, as mais belas e úteis concepções só porque são alheias.
O Ex.mo D. Miguel Pereira Forjaz encarregado das secretarias de Estado
dos Negócios Estrangeiros, da Guerra e da Marinha, quando era necessário
criar tanta causa, ou para melhor dizer, criar tudo para a salvação do
Estado, que o inimigo havia quase destruído, naqueles tempos marcados
pelas desgraças de que foi vítima a nossa pátria infeliz, e em
que a apatia tomava o lugar das nossas mais fortes e puras afeições pelo
iminente perigo de uma desgraça inevitável cuja horrorosa lembrança
ainda nos aflige! Quando tudo
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48 /
enfim conspirava para fazer esquecer, ou ao menos abandonar
temporariamente os trabalhos do porto de Aveiro; ao contrário todos
esses tempos estão marcados amiúdo pelos traços das suas providências,
e actos da maior energia; e pelos seus incessantes cuidados, pela sua
intervenção e pelos meios mais suaves o nosso providente Governo
melhorou as finanças da obra, que estavam no maior abatimento como
disse; e quando ela estava mais precisada; e quem ousaria esperar tanto
quando a Nação estava tão pobre, e suportava o peso das mais enormes
despesas!!
O serviço da obra da barra de Aveiro foi então equiparado ao do próprio
Exército para ser mais prontamente assistido; no meio enfim dos mais
imperiosos embaraços nada tem faltado, tudo se fez, até o que parecia, e
parecerá para sempre impossível! O público terá mais de uma ocasião de
comparar estas ilustres personagens, em épocas e circunstâncias tão
diversas, animadas do mesmo entusiasmo para consumar e perpetuar a
felicidade de Aveiro, que era tanto do empenho de S. A. R. Os factos e
os documentos o demonstrarão, e por eles conhecerá também esta cidade, e
os mais povos interessados a extensão da sua dívida, e a gratidão que
deve a este ilustre benfeitor; e saberão melhor apreciar a glória de ser
o objecto imediato de tantos e tão generosos cuidados.
Consinta-se-me neste lugar,
e até como um desafogo à minha justa
saudade, na falta de uma pessoa a quem estava estreitamente ligado, e
para fazer justiça, não ficar no esquecimento o brigadeiro Reinaldo Oudinot, oficial que pelas suas qualidades e reconhecidos talentos fazia
honra ao Corpo no qual teve a honra de servir a S. A. R., e feito pelo
espaço de 45 anos os relevantes serviços, que o mesmo Senhor tem
reconhecido e remunerado.
Este oficial sendo coronel foi assim como eu fui, e
consta dos
documentos da 1.ª parte, encarregado também dos planos e execução da
obra da barra de Aveiro desde 1802 até 1803, ano em que S. A. R.,
encarregando-me inteiramente da inspecção e direcção das mesmas, mandou
ao dito coronel, então feito brigadeiro, em comissão para a Ilha da
Madeira, onde faleceu em Fevereiro de 1807. Desejava nesta ocasião não ser seu
genro para não ser suspeitoso; e ter o crédito necessário para fazer
digna menção deste hábil engenheiro, e do muito que ele no seu tempo
trabalhou, e concorreu para o feliz sucesso da empresa de Aveiro.
Um mapa mui circunstanciado da parte mais importante do país, e daquele
que era mais preciso conhecer (o qual então acompanhou a Memória que fiz
sobre o plano da abertura da Nova Barra, e com ele apresentei em 1802),
acompanhará agora a 1.ª parte para sua inteligência e necessárias
/
49 / [
Vol. XIII - N.º 49 - 1947]
referências que a ele farei; igualmente haverá nas outras partes
estampas com figuras para fazer perceptível tudo quanto me tenho
proposto escrever.
Tive grande cuidado de omitir constantemente, como
já havia feito em 1802, e se verá na Memória lançada na 1.ª parte, a ostentação de cálculos, e teorias sublimes com que as
Matemáticas auxiliam o ramo dificílimo da Hidráulica, tanto porque a
sua aplicação à prática de tais questões deixa
ainda bastante que desejar (e nunca talvez satisfará perfeitamente), como também para melhor me fazer entender ainda
hoje de todos em uma questão, que foi ao princípio necessário pôr tão clara como a luz, e popularizar naquela época
dos muitos incrédulos da sua possibilidade e bom sucesso;
motivos que me obrigaram também a uma certa difusão, que
se observará na Memória referida; defeito em que muito de
propósito me deixei cair então, preferindo a todas as outras
considerações a de fazer entender, e acreditar a possibilidade
da empresa, convencer qualquer opinião contrária aos interesses de
Aveiro e de S. A. R. que pudesse suscitar-se como
eu tinha motivos de recear, e no que podia ser, eu não tornasse mais a ser ouvido, nem pudesse outra vez advogar e
promover os interesses desta parte tão considerável, e tão importante
dos seus reinos.
_________________
N.º 1 − Documentos relativos à Introdução
A folhas 5 do Livro I do Registo das Provisões e
Ordens Régias, vindas ao Juízo da Superintendência da
Barra, se acha registada a provisão régia do estabelecimento e criação do subsidio real da Obra da Barra, que
é datada de 27 de Maio de 1756, expedida por Resoluções imediatas de S. Majestade Fidelíssima, de 6 de
Outubro de 1755, e de 21 de Maio de 1756, a qual Provisão no seu
preâmbulo diz assim:
«Faço saber a Vós Bacharel João da Fonseca da Cruz,
Superintendente da Obra da Barra da Villa de Aveiro, que
attendendo ás representações que me fizerão os Officiaes da Camara,
Nobreza e Povo da mesma Villa de se acharem os seus moradores reduzidos
a grande pobreza e miseria, sem terem meios para poderem satisfazer o
cômputo do seu cabeção, que he de 5.000 cruzados, os
quaes se-lhes-imposérão em attenção aos direitos da Barra, que já não
tinhão em razão de estar totalmente
areada, em fórma que por ella não podia entrar nem sair o mais pequeno
barco, e não só tinha cessado de todo
o Commércio, mas tambem se-inundava muita parte da
/
50 / Villa com as cheias pelas aguas não terem expedição para o mar, de que
resultava irem desamparando a terra; o que tambem me constou por várias
informações à vista das quaes Fui Servido Mandar ao Engenheiro Carlos
Mardel examinar a dita Barra, e fazer Planta da Obra; e por constatar
ultimamente por informação do Provedor da Comarca de Esgueira terem
rendido 4.933.000 reis o dôbro das cisas, e imposição dos dous reaes
em cada quartilho de vinho, e arratel de carne da mesma Villa e seus
ramos, que por
Resoluções Minhas Mandei applicar para a Obra da dita
Barra pela grande utilidade que d'ella resulta à dita Villa
e a toda a Comarca de Esgueira; e tendo outrosim consideração ao que
se-me-representou em Consulta da Meza do Meu Dezembargo do Paço para
se-dar pronta providencia n'esta matéria, e se-fazerem prontos os meios
para se-executar esta Obra, cuja Superintendencia vos -Tenho
encarregado: Hei por bem que os dous reaes
já antigamente concedidos em cada quartilho de vinho, e em cada arratel
de carne se-appliquem para o pagamento do Cabeção da dita Villa de
Aveiro, com declaração, que ésta contribuição durará somente por espaço
de 15 anos, porque se dentro d'elles se executar a Obra da Abertura da
Barra não necessita mais a Villa d'éste subsídio para
podêr satisfazer o Capital; porêm ésta applicação para o
Capital não terá lugar no producto dos ditos reaes, que se acha
depositado em Cofre, e destinado para a Abertura da Barra por se não
dilatar mais ésta Obra, divertindo-se para outro fim o dito depósito; e outrosim Hei por bem que não só a
Villa de Aveiro, e seus ramos contribuão com um novo real em cada
quartilho de vinho, e outro em arratel de carne para a dita Obra da
Barra emquanto ella durar, mas toda a Comarca de Esgueira, que participa
da mesma conveniencia, sem embargo de não serem ouvidas algumas Camaras da dita Comarca, attendendo a que n'este negocio se trata da sua
propria utilidade; e tendo alguma Câmara ou Concelho justa causa de
escusa, a todo o tempo se lhe poderá deferir pela Meza do Meu
Desembargo do Paço, precedendo as informações necessarias.»
N.º 2 −
Aviso régio para se tirar a planta da Obra
da Barra. Registado a fol. 21. L. I.
«Sua Magestade He servido que Vm. passe logo á Villa de Aveiro, levando
por seu Adjunto a Luiz de Alincourt, para que n'ella com o Sargento-Mór
Engenheiro Francisco Xavier do Rego, que leva por seu Adjunto o Tenente
Adão
/
51 /
Vencesláo de Hedes, tire uma exacta Planta de todo o terreno que jaz
desde o Rio Vouga até á Barra, que novamente se-abrio na dita Villa, na
conformidade das Reaes ordens da Cópia inclusa dirigidas ao Dezembargador da Relação do Porto Manuel Gonçalves de Miranda, que ha-de
assistir à execução da referida Planta com o Capitão Mór João de
Sousa Ribeiro. E ao Marquez de Tancos se-avisa para que na Vedoria se-dem a Vm.,
e ao dito Luíz de Alincourt os respectivos transportes e
Cavalgaduras que lhes-hão de ser pagas em todos os dias continuos e
successivos que correrem até se-restituirem a ésta Côrte com o
pagamento dos seus soldos, que ficaráõ cobrando os Procuradores, que Vm.
e o dito seu Adjunto nomearem, em quanto andarem occupados n'ésta
Diligencia, que o Mesmo Senhor lhes-ha por muito recommendada.=
Deos guarde a Vm. Belem a 10 de Junho de 1758.
= Sebastião José de Carvalho e Mello. =
Sfir. Francisco Jacintho de Polchet.»
N.º 3 −
Carta do engenheiro Elsden aos seus adjuntos. Registada no L. I. fol. 31.
«Conforme as Ordens de Sua Magestade dirigidas
no dia 20 de Outubro do
presente ano pelo Ill.mo e Ex.mo Sñr. Visconde de Villa Nova da
Cerveira, Ministro e Secretario de Estado, etc., etc., etc.
Devem V. m.cês, logo entrar a tirar a Planta Topographica da Barra de
Aveiro que presentemente existe; e da mesma situação o outro Rio que
tem seu curso para o Sul na direcção da lagôa de Mira. D'este mesmo
ponto da Barra continuar para o Norte na direcção do Rio Salgado (que serão 4 legoas e meia até 5), até á desembocadura do Rio Vouga, notando com individuação as entradas de todos os
Rios, Lagôas, Canaes, etc., que cairem no dito Rio Salgado.
Tambem se-devem calcular as ondas da mesma Barra, e no dito Rio Salgado
do Sul para o Norte nas distancias de 250 braças no tempo da baixa-mar
das aguas vivas para se-combinarem as differentes alturas das aguas d'este canal, suas Lagôas,
etc., com as do mar largo; para sôbre a dita
Planta se-determinarem todas as mais operações sôbre a nova Barra de
Aveiro; e a respeito das despezas, e mais cousas necessarias para a dita diligencia, o Doutor Corregedor tem Ordem de Sua Magestade para
providenciallas; das quaes despezas se formará folha que V. m.cês assinaráõ durante a minha
/
62 /
ausencia para descarga do mesmo Doutor Corregedor.=Aveiro, 27 de Novembro
de 1777.=Guilherme Elsden, Tenente coronel.=
Sñrs. Isidoro Paulo Pereira Capitão de Infantaria, com exercício de
Engenheiro, e Manuel de Sousa Ramos Ajudante de Infantaria com o mesmo
exercício.»
N.º 4 −
Aviso régio para se dar princípio ás obras
da Barra. Registado a fol. 35 L. I.
«Sua Magestade tem Resoluto que se-comecem a pôr em execução os Planos
que-lhe forão apresentados para as Obras necessarias de se-melhorar e
abrir a Barra d'essa Cidade, de se-desempedirem os Esteiros, e
enxugarem as terras inundadas, que contribuem a fazer doentio e máo o ar
da mesma Cidade, e concorrem para o máo serviço actual da mesma Barra.
Semelhantemente tem a Mesma Senhora Resoluto, que se-procure facilitar
quanto for possivel a Navegação do Rio Vouga em beneficio do Commércio
d'essa mesma Cidade e Provincia; e que todas éstas Obras se-hajão de
fazer conforme a Direcção do Arquitecto Hydraulico João Iseppi, cujos
Projectos Sua Magestade tem Approvado, e pelo qual serão apresentadas a
Vm. todas as Ordens relativas a éstas Obras, com toda a jurisdicção e
forças que se-fizerem necessarias para o progresso d'éllas.
Em ordem a êste fim, e para que
hajão dinheiros prontos, Ordena Sua
Magestade que Vm. vá adiantando,
e fazendo cobrar tudo quanto fôr possível pertencente às contribuições applicadas a éstas Obras, de maneira que effectivamente se-recolha ao
Cofre d'ellas a maior quantia que podér ser; e que Vm. ao mesmo tempo
escreva á Companhia do Douro para que vá aprontando o dinheiro
que lhe-for possivel, e tem em si pertencente ao mesmo Cofre, a fim de
estar certo, e pronto à primeira Ordem que a Mesma Senhora Mandar
expedir á dita Companhia para d'elle fazer entrega no referido Cofre.
E tendo Sua Magestade conhecido a
justa necessidade de se-fazer a Obra
do Caes, e Esteiro da Ribeira; a cujo he Servida que logo se-dê principio
a ella, e se-faça a despeza da mesma Obra pelo Cofre dos dinheiros das
contribuições da Barra, sem necessidade de outra alguma Ordem além
d'ésta. E pelo que respeita ás Obras do Aqueducto da Fonte da Praça,
Paço do Concelho, e Cadêa
Publica, Ordena Sua Magestade que Vm. mande tirar a Planta de cada uma
d'éstas Obras com o orçamento a cada uma d'éllas pertencente, e com
informação de Vm. em que fórme o seu juizo sÔbre elas, para que sendo tudo
/
53 /
presente á Mesma Senhora Resolva ao dito respeito o que for Servida. =
Deos Guarde a Vm. Palacio de Queluz em 2 de Agosto de 1780. = Visconde
de Villa Nova da Cerveira.=
Sñr. Francisco António Gravito.»
N.º 5 −
Aviso régio por onde o Doutor José Monteiro da Rocha, lente de Matemática, veio visitar
as obras da Barra.
Registado a fol. 51. L. I.
«A Sua Magestade foi presente, que o Doutor José Monteiro da Rocha,
Lente Cathedrático da Faculdade de Mathematica na Universidade de
Coimbra passava a essa Cidade de Aveiro para visitar as Obras da Barra,
e as mais que são concernentes à Sciencia Hydraulica que he do seu
instituto ensinar Theoricamente na mesma Universidade; e porque em circunstâncias tão attendiveis, como
são as da instrucção d'esta util Sciencia á vista dos objectos praticos
d'ella, se deve facilitar a este digno Professor tudo quanto a este
respeito elle quizer vêr e examinar;
He a Mesma Senhora Servida que Vm. lhe-facilite iodos os Projectos,
Planos, Mappas, e Máquinas que elle quizer especular, e miudamente
examinar, para que possa em beneficio da mesma Sciencia fazer um claro juizo das
referidas Obras, tratando-o Vm. com toda a distincção e acolhimento que
se deve a um Professor tão benemérito, e tão digno da Recommendação de
Sua Magestade. =
Deos Guarde a Vm. Palacio de
Nossa Senhora
d'Ajuda em 6 de Dezembro de 1781.= Visconde de Villa
Nova da Cerveira.=
Sñr. Francisco António Gravito.»
N.º 6 −
Aviso régio. Registado a fol. 50.
«A Sua Magestade forão presentes as Contas de Vm., que trouxerão as datas de 27 de Maio, de 24 de Junho, e 8 de Julho d'este anno; e He a Mesma Senhora Servida,
que Vm. pague ao Engenheiro Hydraulico João Iseppi, a
seu filho, e aos mais Italianos que com elle vierão para serem
empregados na Obra da Barra d'essa Cidade, tudo o que se-lhes dever,
fazendo-se a conta até chegarem a
ésta Côrte; declarando-lhes Vm. que Sua Magestade os Manda recolher a
élla: em consequencia d'ésta Determinação Ordena a Mesma Senhora que o Sargento Mór Engenheiro, Isidoro
Paulo Pereira fique encarregado da referida
Obra; com o qual justamente se-espera que Vm. viva em
boa harmonia concorrendo cada um zelosamente da sua
/
54 /
parte para tudo o que for utilidade da mesma Obra, evitando questões, e
tendo por unico, e principal objecto o serviço de Sua Magestade; e muito
mais quando Vm., e elle tem o facil recurso de-me darem conta do que
entenderem sôbre este assumpto, para que, pondo na Real Presença da
Mesma Senhora, Haja de resolver o que fôr
Servida. E tudo o referido Ha Sua Magestade por muito Recommendado a Vm.,e se-participa ao dito Sargento Mór. Quanto ás
Cisas sonegadas, em que Vm. falla na sua Conta de 27 de Maio, ainda a
Rainha Nossa Senhora não tomou a final Resolução sôbre este negocio. =
Deos Guarde a Vm. Palacio de Queluz em 25 de Agosto de 1781. = Visconde
de Villa Nova da Cerveira. =
Sñr. Francisco António Gravito.=
Cumpra-se. Gravito.»
N.o 7 − Aviso régio. Registado a fol. 50. L. l.
«Sua Magestade tendo-lhe sido presentes as successivas Contas, que Vm. me-tem dirigido em diversas
datas, sôbre os objectos que respeitão á Commissão de que Vm. se-acha
encarregado, e conhecendo que as referidas Contas encerrão materias que
na sua ordem necessitão de séria consideração, e madureza, He Servida
que
mandando Vm. suspender por ora toda e qualquer obra que for de maior
despeza e trabalho, se-fique sómente continuando n'aquellas que a
necessidade fizer indispensaveis, e que da suspensão d'ellas resultaria
perigo grave; fazendo-se porêm com a menor despeza e número de gente que
possivel fôr, até que chegue com o fim da
Primavera, e principio do Verão seguinte, o tempo opportuno para a continuação das ditas Obras; a respeito das quaes Sua
Magestade Dará as suas Providências, e Fará constar a Vm. a Sua Real
Resolução. = Deos Guarde a Vm. Palacio de Nossa Senhora d'Ajuda em 24
de Novembro de 1783.=Visconde de Villa Nova da Cerveira.
=Sñr'. Francisco António Gravito.=
Cumpra-se. Gravito.»
N.º 8 −
Aviso régio. Registado a fol. 56. L. l, por onde o Marechal de
Campo Valleré veio examinar as obras da Barra.
«Sua Magestade Manda a essa Cidade de Aveiro o
Marechal de Campo Guilherme Luiz Antonio de Valleré,
accompanhado de dous Officiais seus Ajudantes, a fazer
/
55 /
um exame circunspecto do estado das Obras da Barra da mesma Cidade, e
das mais que n'ella se-havião projectado; e formar o Projecto do
adiantamento de todas ellas para se-haverem de continuar. E He Sua
Magestade Servida que Vm., em quanto o mesmo Marechal de Campo, e seus
Officiaes se-acharem n'essa Diligencia, lhes-apronte o dinheiro que para bem da mesma Diligencia e effeito d'ella se-Ihes fizer necessário,
cobrando Vm. os competentes recibos para formalizar com regularidade a
sua arrecadação. = Deos Guarde a Vm. Palacio de Nossa Senhora d'Ajuda em
5 de Abril de 1788. = Visconde de Villa Nova da Cerveira.=
Sñr'. Corregedor da Comarca de Aveiro.»
N.º 9 −
Aviso régio por que se mandou abrir um
rigueirão que desse escoante às águas estagnadas, e que fosse examínado
pelo professor hidraulico, Estêvão Cabral. Registado a foI. 60. L. I.
«Sua Magestade querendo prover em beneficio da Saude dos moradores
d'essa Cidade, e em utilidade dos habitantes d'essas visinhanças, He
Servida Ordenar, que se-proceda logo á abertura de um Rigueirão ou
Canal, que
córte de Nascente ao Poente o Isthmo que divide o Mar Oceano do
interior, abaixo da Capella de S. Jacintho, que he o lugar insinuado
pela mesma corrente das aguas, e demonstrado desde antigo tempo pela
Construcção do Forte que ahi se-edificou para cobrir a Barra.
Este Rigueirão, ou Canal deverá ser limitado na sua largura, como
aquelle que sómente se-preara a dar saída ás aguas encharcadas, e
entrada aos barcos que frequentão esse porto; removendo por ora toda a
idéa de abertura de Barra, ou Canal para entrada de navios; pois que
tendo mostrado uma custosa experiencia ha tantos annos, que n'ésta Obra
maior se-tem trabalhado debalde, deve merecer maior consideração o
intentalla de novo por meio de novas medidas e novos Planos, não só para
essa abertura, mas para a fortificação e defeza do Porto; de que parece
não se ter feito conta até agora.
Sua Magestade encarrega a Vm. a Intendencia d'ésta Obra, confiando que
Vm., pelo conhecimento que d'ella tomou, pela informação e proposta que
mandou á Sua Reál Presença na data de 9 de Junho d'este anno, ha-de
executalla com toda a prontidão e economia; para ella poderá Vm.
despender até a somma de oito contos de reis, que he o em que ella foi
orçada. Deverá Vrn. porêm no fim de cada mez dar conta por esta
Secretaria d'Estado
/
56 /
dos Negócios do Reino do estado d'ésta Obra, notando a gente que
trabalha, a despeza que com ella faz, e as esperanças que conceber pelo
que se-vai fazendo. E ainda que não pareça necessario mandar Engenheiro
para esta Obra, com tudo sempre advirto a Vm. que em Obras d'agua,
assim para servir d'ellas, como para dirigir as correntes vê mais um
Professor Hydraulico, que todos os Engenheiros da Profissão d'aquelles
que andárão na grande Obra d'essa Barra.
Como em Coimbra está Estevão Cabral, que não tem Patente de Engenheiro,
mas que é Professor Hydraulico, pede a prudencia que elle examine esta
abertura que vai a fazer-se, e examine o Plano que se-tem feito, e de
cuja execução Vm. vai encarregado; e póde acontecer
que elle com as suas luzes aponte alguma providencia de maior segurança
e utilidade. Ele poderá chegar ahi para este fim sómente de examinar o
Plano, devendo immediatamente voltar para assistir ás Obras do Mondego
de que está encarregado, e assim lhe-faço Aviso por esta posta.
= Deos Guarde a Vm. Palacio de Nossa Senhora
d'Ajuda em 6 de Julho de 1791. =José Seabra da Silva.
=Sñr. Provedor da comarca de Aveiro.»
N.º 10 −
Aviso régio por que se mandaram continuar as obras necessárias
a preservar a cidade do mau ar das águas encharcadas. Registado a fol.
59. L. I.
«Sendo vista a Conta de Vm. na data de 6 do corrente mez de Maio sôbre
a conferência em Comarca no dia 5, a respeito da Lei de 28 de Março, e
natureza, applicação, e destinos das imposições d'essa cidade e Camara,
devo dizer a Vm., para pôr a Camara na verdadeira intelligencia d'este assumpto, que nem a dita Lei dispõe, nem
na sua execução se-ha-de praticar cousa alguma que aggrave os encargos,
que esses Póvos sofrem, mas antes muito pelo contrário a primeira
applicação do producto das imposições d'éssa Comarca ha de ser em
benefício d'ella.
As Obras da Barra, quanto à abertura ha tantos annos projectada, outros
tantos ha que por custosas experiencias se-tem visto serem de maior
dificuldade do que se pensava. Quanto porêm áquellas Obras da Barra, que
se dirigem a preservar essa Cidade do ar pestilente de aguas encharcadas,
e corruptas, devem sempre praticar-se, e applicar-se para ellas a somma
necessaria, que ha de sair das ditas imposições com preferencia a
qualquer outra applicação. E como actualmente parece haver necessidade
de se-proceder a este trabalho Vm. informará sem perda
/
57 / de tempo sôbre isto, orçando pouco mais ou menos sôbre a Obra que
agora se-julgar necessaria, quanto ella importará, podendo já entrar-se na mais urgente com a despêsa de até 400.000 réis.
N'ésta occasião encarrego a Vm. o Exame da Ponte
sôbre o Rio Vouga, com a individuação do estado em que ella se-acha,
quantos arcos se-achão inteiros, e quantos arruinados, e se os pégões
de uns e outros estão seguros. Sôbre este exame, a que Vm. ha-de
proceder com alguns Mestres; ou pessoas intelligentes, aos quaes depois
sucederáõ outros de mais confiança que me-proponho mandar, fará Vm. um
orçamento da somma que poderá importar ésta Obra.
Estas diligências vão dirigidas a Vm. no impedimento do Corregedor da
Comarca que poderá depois ser encarregado, permittindo-o a sua saude, e
outras considerações.=Deos Guarde a Vm. Palacio de Nossa Senhora d'Ajuda em 18 de Maio de
1791.=José de Seabra da Silva.=
Sñr. Provedor da Comarca de Aveiro.»
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