A CAPELA do Senhor das
Barrocas, ou do Senhor dos Milagres, está situada junto à estrada que
liga Aveiro com Esgueira. Foi construída mesmo no limite do antigo lugar
de Sá, freguesia de Vera Cruz. Este limite era também o da vizinha
freguesia de Esgueira, continuando a linha de separação aproximadamente a meio do caminho que vai da capela à passagem de nível da via férrea.
É por isso que hoje se encontram casas consideradas de Aveiro em terreno que em rigor
pertence à freguesia de Esgueira.
A capela do Senhor das Barrocas é a mais importante que Aveiro possui, não só pelas dimensões mas pela arte que nela domina.
É de planta octogonal, e coberta com abóbada. A fachada principal está voltada para o poente. A capela é de estilo barroco, sobressaindo o pórtico majestoso cujo entablamento assenta sobre quatro magníficas colunas jónicas.
É notável a talha da
capela mor. Em toda a volta da cúpula há uma platibanda com uma pirâmide em cada ângulo, encimada por um ovóide. Uma tempestade na noite de 16 de Janeiro de 1922 derrubou
algumas destas pirâmides. A pedra das cantarias e dos ornatos é de calcário branco, pouco resistente à acção do tempo. Por isso o pórtico se encontra já muito danificado.
Lê-se na "Gazeta de Lisboa",
n.º 52 de 24 de Dezembro de 1722, que no dia 15 de Novembro deste ano foi lançada a primeira pedra nos alicerces deste templo construído em honra da milagrosa imagem do Santo Cristo das Barrocas.
A cerimónia foi feita com toda a solenidade, tendo presidido o deão da
Sé de Coimbra e todo o Cabido, e assistindo todas as comunidades
religiosas, autoridades, nobreza e povo de Aveiro.
A referida pedra foi levada em um notável andor, em que pegavam o prior do convento de S. Domingos, o guardião dos Capuchos e dois religiosos da Ordem Terceira de S. Francisco.
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A resolução de se
construir a capela foi tomada pelo povo de Aveiro, no mês de Novembro de
1721, quando nesta vila se encontrava frei Baltazar de Santo António,
vigário geral de Coimbra. Ao crucifixo de pedra que estava na silveira
das Barrocas atribuíam-se muitos milagres, que eram recompensados pelos
crentes com dádivas avultadas. E com estas dádivas e esmolas se começou
a construir o templo.
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A "Gazeta de Lisboa", de
20 de Novembro de 1721, dá conta de dois grandes milagres feitos pela
imagem do Cristo das Barrocas: um, a restituição da vida a um homem que
a esposa julgava morto; outro, a restituição da vista a uma mulher que
se encontrava cega.
A trasladação da imagem do Senhor das Barrocas para dentro do templo foi feita em 16 de Novembro de
1732.
Desconhece-se o autor do projecto da capela, mas é de notar a
semelhança que há entre o seu pórtico e o da biblioteca da Universidade
de Coimbra.
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Aspecto exterior da capela do Senhor das Barrocas, em Aveiro. |
Esta biblioteca foi construída durante os anos de 1716 a 1725, e é com
fundamento que se julga ter sido autor do respectivo projecto João
Frederico Ludovice (Ludwig), alemão italianizado em Roma, e que veio
para Portugal nos últimos anos do séc. XVII. Este artista tornou-se notável pelas construções que fez,
entre as quais a capela-mor da igreja de S. Domingos, de Lisboa e a capela-mor da Sé de
Évora.
Suponho por isto, e atendendo ainda à planta octogonal da
/ 319 / capela do Senhor das Barrocas, análoga à dos baptistérios de Pisa e de Florença, que foi Ludovice o autor do projecto dela.
A crença, outrora grande, principalmente na gente do mar, como a
atestam alguns ex-votos existentes no interior da capela (quadros figurando naufrágios, e dois modelos de navios de três mastros), desapareceu totalmente e hoje nenhum culto se celebra na capela.
«Arrefeceu a piedade
Romeiros poucos lá vão
Mas a capela que existe
Mostra a antiga devoção».
Já assim escrevia o Dr. AUGUSTO C. DA SILVA MATOS, no
"Distrito de Aveiro", n.º 88, de 6 de Maio de 1862.
MARQUES GOMES, na sua obra
Subsídios para a História de Aveiro coligiu alguns elementos para a história da capela em questão.
Bem merece a capela a protecção dos fiéis e do Estado, e por isso deviam ser restauradas as partes que mais se acham danificadas quer pelo tempo quer pelo rapazio.
Impõe-se para já a reposição das pirâmides da platibanda que o temporal derrubou, e a
substituição das imagens, que encimam o pórtico, por outras iguais. As imagens são dois anjos sentados, apresentando um
o sudário de Cristo e outro a túnica; estão muito gastas pelo tempo, por serem de pedra de Ançã, e, se vierem
a ser substituídas, poderão ser recolhidas no Museu de Aveiro as imagens
originais.
À frente do templo e do adro há um muro de suporte junto do qual está uma cruz de pedra, grande, apoiada numa larga base, mas como esta se arruinou, a cruz ameaça cair.
Urge a reconstrução da base cujas pedras se encontram soltas em
virtude do terreno ter cedido à pressão.
Aveiro, 3 de Agosto de
1936
F. FERREIRA NEVES
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