Almanaque Desportivo do Distrito de Aveiro 1950, pág. 110.


Jornalistas Desportivos do Distrito

Recebi na minha terra uma invulgar educação desportiva

Artigo de VASCO ROCHA

 

Quando em 1939 abandonei Aveiro para, bem arrimado à boa vontade de Raul de Oliveira, seguir em Lisboa a ingrata carreira de jornalista desportivo, devo dizer, com certo orgulho, que já estava regularmente apetrechado para satisfazer árduas exigências da profissão. No entanto, fora essa a primeira vez que abandonara a minha terra. De facto inferir-se-á, naturalmente, que em Aveiro pude receber invulgar educação desportiva. Na verdade, assim aconteceu. Para desempenhar o papel de crítico, não precisaria socorrer-me do ouvido; ser-me-ia mais útil, a mim, aos leitores e ao jornal, socorrer-me da experiência própria e alardear até um ecletismo de que poucos poderiam gabar-se.

Vasco Rocha

Redactor, pleno de interesse, do "Mundo Desportivo", Vasco Rocha nasceu em Aveiro, na típica Beira Mar. Quando na sua terra, onde é querido no meio desportivo, colaborou largamente na imprensa regional. Como praticante, distinguiu-se por um inconfundível ecletismo.


Ocorre-me que joguei o futebol, percorrendo todos os lugares (as exibições não primavam pelo brilho, mas o estudo que fazia da modalidade era eficiente); pratiquei o basquetebol e cheguei a atingir, com os meus queridos colegas, invejável posição (faltava às equipas, e creio que ainda hoje falta, uma maior capacidade de resistência); ensaiei possibilidades no andebol; Francisco Duarte e João Sarabando chegaram a dizer nos jornais que eu possuía faculdades para ascender a bom plano no atletismo (tal nunca sucedeu, porém, porque, não tenho acanhamento em confessá-lo, faltava-me nesses tempos uma alimentação especial); desde tenra idade que me habituei a tratar por tu a bicicleta, galgando longos quilómetros sempre de cara alegre; tive o ensejo de sentir quão penoso era acompanhar o ritmo de remada dos hercúleos campeões do Clube dos Galitos; joguei o ténis e o ténis de mesa (deficientemente, claro, mas o que me interessava era conhecer e estudar); calcei luvas de seis e oito onças e apliquei e encaixei socos de respeito, que me fizeram abrir bem os olhos (o caso não era para menos...); manejei armas; recebi instruções de velejadores; conheci os encantos da motonáutica; familiarizei-me com excelentes competições de motociclismo; assisti a interessantes gincanas de automóveis; apreciei a arte de bem cavalgar; lutadores de nomeada exemplificaram-me infalíveis golpes da «greco-romana»; vi jogar o voleibol; calcei os patins (quanto custa cair desamparado no cimento!) e aplaudi as proezas dos jogadores de hóquei patinado da minha terra, quando ainda se não sonhava com triunfos de projecção internacional; pediram-me para nos treinos na ria completar equipas de pólo aquático; esforçava-me, sempre em vão, por acompanhar fortíssimos nadadores...

Haverá outros desportos que não houvesse nessa altura conhecido bem de perto? Ah! Também certo dia solicitaram a minha comparência aos treinos de râguebi. E, levianamente, fazia caretas (arrependido estou agora disso) a quem me obrigava a praticar a ginástica como devia ser.

Com tal educação desportiva, eu não poderia recear, realmente, grandes e sucessivos malogros na carreira de jornalista desportivo. A Aveiro, minha terra, fiquei, pois, a devê-la.

Os aveirenses possuem extraordinários dotes de assimilação. Quando sabem querer ─ vão sempre longe.

Faltam-lhes instalações desportivas suficientes para mais rapidamente acusarem progressos em várias modalidades. E creio que ainda lhes falta também o apoio indispensável de todas as figuras gradas da terra.


 

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