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Recebi na minha terra uma invulgar educação desportiva
Artigo de VASCO ROCHA
Quando em 1939 abandonei Aveiro para, bem arrimado à boa vontade de
Raul de Oliveira, seguir em Lisboa a ingrata carreira de jornalista
desportivo, devo dizer, com certo orgulho, que já estava regularmente
apetrechado para satisfazer árduas exigências da profissão. No
entanto, fora essa a primeira vez que abandonara a minha terra. De facto
inferir-se-á, naturalmente, que em Aveiro pude receber invulgar
educação desportiva. Na verdade, assim aconteceu.
Para desempenhar o papel de crítico, não precisaria socorrer-me do
ouvido; ser-me-ia mais útil, a mim, aos leitores e ao jornal,
socorrer-me da experiência própria e alardear até um ecletismo de que
poucos poderiam gabar-se. |
Vasco Rocha
Redactor, pleno de interesse, do
"Mundo
Desportivo", Vasco Rocha nasceu em Aveiro,
na típica Beira Mar. Quando na sua terra, onde é querido no meio
desportivo, colaborou
largamente na imprensa regional. Como praticante, distinguiu-se por um inconfundível
ecletismo. |
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Ocorre-me que joguei o futebol, percorrendo todos os lugares (as
exibições não primavam pelo brilho, mas o estudo que fazia da modalidade
era eficiente); pratiquei o basquetebol e cheguei a atingir, com os meus
queridos colegas, invejável posição (faltava às equipas, e creio que
ainda hoje falta, uma maior capacidade de resistência);
ensaiei possibilidades no andebol; Francisco Duarte e João
Sarabando chegaram a dizer nos jornais que eu possuía
faculdades para ascender a bom plano no atletismo (tal
nunca sucedeu, porém, porque, não tenho acanhamento em confessá-lo,
faltava-me nesses tempos uma alimentação especial); desde tenra idade que me habituei a tratar por tu a bicicleta, galgando longos quilómetros sempre de cara
alegre; tive o ensejo de sentir quão penoso era acompanhar o ritmo de
remada dos hercúleos campeões do Clube dos Galitos; joguei o ténis e o ténis de mesa (deficientemente,
claro, mas o que me interessava era conhecer e estudar); calcei luvas de seis e oito onças e
apliquei e encaixei socos de respeito,
que me fizeram abrir bem os olhos (o caso não era para menos...);
manejei armas; recebi instruções
de velejadores; conheci os encantos da motonáutica; familiarizei-me
com excelentes competições de
motociclismo; assisti a interessantes gincanas de automóveis; apreciei a
arte de bem cavalgar; lutadores de nomeada exemplificaram-me infalíveis golpes da «greco-romana»;
vi jogar o voleibol; calcei os
patins (quanto custa cair desamparado no cimento!) e aplaudi as proezas
dos jogadores de hóquei patinado da minha terra, quando ainda se não
sonhava com triunfos de projecção internacional; pediram-me para nos treinos na ria completar equipas de pólo aquático;
esforçava-me, sempre em vão, por acompanhar fortíssimos nadadores...
Haverá outros desportos que não houvesse nessa altura conhecido bem de
perto? Ah! Também
certo dia solicitaram a minha comparência aos treinos de râguebi. E,
levianamente, fazia caretas
(arrependido estou agora disso) a quem me obrigava a praticar a
ginástica como devia ser.
Com tal educação desportiva, eu não poderia recear, realmente, grandes e
sucessivos malogros
na carreira de jornalista desportivo. A Aveiro, minha terra, fiquei,
pois, a devê-la.
Os aveirenses possuem extraordinários dotes de assimilação. Quando sabem
querer ─ vão
sempre longe.
Faltam-lhes instalações
desportivas suficientes para mais rapidamente
acusarem progressos em
várias modalidades. E creio que ainda lhes falta também o apoio indispensável de todas as figuras
gradas da terra. |