Acesso à hierarquia superior

Memória sobre a villa de Aveiro de Pinho Queimado

O que Ferreira Neves disse acerca

da «Memória sobre a vila de Aveiro de Pinho Queimado»

É INTERESSANTE a memória que acerca de Aveiro escreveu CRISTÓVÃO DE PINHO QUEIMADO, em Janeiro de 1687. É a memória mais antiga de Aveiro, que se conhece; nela se faz a descrição da terra e sua gente, instituições e monumentos. Serviu de base ao estudo que da vila de Aveiro publicou o Padre CARVALHO DA COSTA, na sua Corographia Portuguesa, tomo lI, impressa nos princípios do século XVIII. Este autor preparou o original da sua obra nos fins do século XVII, e recolheu os elementos de pessoas naturais ou residentes nas diversas localidades. Pode admitir-se que tenha sido PINHO QUEIMADO, quem, desenvolvendo a sua memória, tenha escrito a maior parte do trabalho relativo a Aveiro que CARVALHO DA COSTA publicou, e que distribuiu pelos seguintes capítulos: Da descripção topográfica da Villa de Aveiro; Dos conventos, que tem esta Villa de Aveiro, & de seus Fundadores; Da Nobreza desta Villa, privilegios, & suas grandezas; Das pessoas naturaes desta Villa, que florecérão em santidade, virtude & letras; Das pessoas naturaes de Aveyro, que occupárão postos nas guerras; Da fundação e etymologla da Villa de Aveyro; Do termo da Villa de Aveyro.

Há partes da memória de QUEIMADO, transcritas textualmente por CARVALHO DA COSTA; outras partes foram suprimidas.

O original da memória de PINHO QUEIMADO foi passando para sucessivas mãos, e julgo que chegou a ser pertença de V. C. C. de Sousa Brandão, (talvez da vila da Feira), que o copiou, não sei em que data nem para que fim, mas tal cópia foi feita, há pelo menos 73 anos, e publicada a primeira vez, não sei por quem, no mês de Fevereiro do ano de 1864, no jornal aveirense Campeão das Províncias, nos números 1207 a 1210, e novamente foi publicada no mesmo jornal em 1898, por J. RANGEL DE QUADROS. São raríssimas hoje as colecções deste jornal, se é que existe alguma completa, e sujeitas a perderem-se totalmente.

Para que não se perca o texto da memória em questão, vamos aqui reproduzi-lo, conforme foi publicado em 1898, mas fazendo-lhe as seguintes correcções: o jornal diz Roscimos (?) e deve ser Roseimos; não souberam ler o original ou a cópia; substituímos Faxas por Faias, «e com ordem de precedência», por sem ordem de precedência. Estas emendas concordam com o texto de CARVALHO DA COSTA.

QUEIMADO escreveu quando Aveiro declinava da sua anterior grandeza, principiada no século XV com o seu donatário o infante D. Pedro, e continuada no século XVI.

Uma das informações mais interessantes que nos dá PINHO QUEIMADO, é a do mau estado da barra de Aveiro, e maneira de a melhorar, no entender de dois engenheiros holandeses.

QUEIMADO descreve-nos a vila de Aveiro, o seu brasão de armas, a sua população, os seus muros, as suas produções, famílias nobres, igrejas e ermidas.

A actual cidade de Aveiro conserva ainda aproximadamente a fisionomia que tinha no século XVII, mas dos seus muros ou muralhas nada mais resta do que dois lanços, um, que termina na Porta do Sol, próximo da igreja de S. Domingos, e outro na retaguarda das casas da rua de Santo António, e vedando parte da cerca do Liceu, a qual pertenceu à casa dos marqueses de Arronches, esta e a cerca hoje incorporadas no Liceu.

A igreja de S. Miguel foi demolida em 1835, parece que por ameaçar ruína, e das catorze ermidas ou capelas que QUEIMADO menciona, já não existem as seguintes: − a de Nossa Senhora da Graça, que ficava situada no princípio da rua hoje chamada do Carmo, e fazia esquina para a rua do Carril; já em 1810 estava em ruínas; a de Nossa Senhora do Hospital, que ficava na rua de Vila Nova, hoje denominada de Manuel Firmino; em 1820 começou a arruinar-se e em 1860 as ruínas foram compradas por um particular; a do Corpo Santo, existente perto do bairro piscatório; a de S. Gregório, também conhecida pela designação de Nossa Senhora da Ajuda, que existiu na actual rua do Hospital Novo; foi demolida para se alargar esta rua em Agosto de 1915. Com parte do material desta capela construiu-se outra um pouco mais para o sul, no princípio do lugar de Santiago das Arneiras, e foi inaugurada em 16 de Setembro de 1917; a de S. Martinho, que julgo ter existido ao nascente da vila, na rua ainda hoje denominada de S. Martinho; a de S. Sebastião, próxima da precedente, julgo que existente na rua chamada de S. Sebastião, e demolida no ano de 1833; a de Santo Amaro, cuja situação ignoro; a de S. João, situada no Rocio, à beira do esteiro das Pirâmides, destruída em 1911, para aformoseamento do local; a de Santiago, ou Sant'Iago, das Arneiras, arruinada em 1820, e totalmente eliminada em 1861.(18)

Aos edifícios dos conventos, sucedeu o seguinte: o do convento de Jesus foi transformado em 1911 em Museu; o dos carmelitas descalços, junto à igreja do Carmo, foi há poucas dezenas de anos demolido; o das carmelitas descalças, da invocação de S. João Evangelista, foi destruído em parte há algumas dezenas de anos para se construir a Praça do Marquês de Pombal, ficando o resto do edifício ocupado por algumas repartições públicas; o convento dos franciscanos está transformado, há alguns anos, em anexo militar; finalmente, o convento da Madre de Deus, conhecido por convento de Sá, foi destruído por um incêndio, e sobre as suas ruínas se construiu o Quartel de Cavalaria, por iniciativa e custeio parcial da Câmara Municipal de Aveiro.

O túmulo de D. Brites de Lara existe tal como no-lo descreve PINHO QUEIMADO; o de João de Albuquerque já não se encontra hoje na Capela do Senhor Jesus da igreja de S. Domingos, mas sim na Capela de Nossa  Senhora da Misericórdia, à entrada e à esquerda, na mesma igreja. O túmulo encontra-se porém bastante danificado com as várias mudanças que tem tido.

Os velhos solares desapareceram; apenas uns três ou quatro subsistem; das muitíssimas famílias nobres que viviam aqui, pouquíssimas têm hoje cá os seus representantes.

CARVALHO DA COSTA menciona todas as famílias nobres que cita PINHO QUEIMADO, com excepção de Correas-Azevedos com Pintos Resendes; Pinhos Queimados − com Carvalhos Simões; Novaes − Viegas − com Pinhos − Tavares − Amaraes; Pinhos Sampaios − com Pinas − Ferreiras − Machados.

Tratar-se-á de um lapso? PINHO QUEIMADO diz que indicava as famílias mais nobres e antigas desta vila desde a sua origem conhecida; mas CARVALHO DA COSTA menciona ainda as seguintes, que QUEIMADO não menciona:

Barretos Feios com Melos; Fonsecas Vasconcelos; Silvas Côrte-Reaes com Ferreiras Betancores; Pachecos Leitões; Costas Bombardas com Ribeiros Silveiras; Ribeiros Calados com Avelares Fonsecas; Freires de Andrade com Silvas Pimenteis; Tavares Pachecos com Teixeiras Limas; Costas Saraivas com Pintos Cunhas; Ribeiros Leitões com Ribeiros Silveiras; Leões Lobos com Silveiras Bacelares; Maias Gamas com Amarais Teixeiras. Pachecos Varelas com Pereiras Carvalhos. Ribeiros Oliveiras com Maias Andrades. Soares Albergarias com Favelas Chamorros.

Aveiro continuou a decair no século XVIII e XIX do seu antigo esplendor; presentemente pouca tendência mostra para um progresso apreciável, principalmente se compararmos esta cidade com outras localidades cujo progresso tem sido notável.

PINHO QUEIMADO, pelo trabalho que escreveu, e pelo interesse que mostrava na barra de Aveiro, era por certo daqui natural, ou aqui viveu, tanto mais que em Aveiro e em Esgueira viviam famílias de apelido Queimado.

Os Queimados estavam aparentados com os nobres AImeidas. Segundo um nobiliário manuscrito que tenho presente, houve um fidalgo, Henrique de Almeida, do tempo de D. João lI, que teve uma filha chamada D. Isabel de Almeida de Sequeira, mulher de Sebastião de Pinho Botelho, filho de Cristóvão de Pinho e de Maria Queimado Rebelo. Estes são ascendentes do autor da memória sobre Aveiro.

Um filho daquele, Henrique de Almeida, de nome João de Almeida, foi almoxarife em Aveiro, casou com uma D. Joana Queimado Vila Lobos. Uma irmã desta casou com João de Sousa, cujo neto, Inácio de Almeida Queimado, casou com Maria Borges de Almeida, de Esgueira. Estes tiveram uma filha chamada Isabel Queimado que casou com seu tio Gonçalo Homem de Almeida, efectuando-se o casamento na igreja de S. Miguel de Aveiro em 13 de Maio de 1607.

Não é, porém, destes últimos que descende o autor da memória, porque os filhos destes foram Inácio de Almeida, que morreu ao nascer; Narciso Homem, nascido em 29 de Outubro de 1619 e se fez apóstolo da Companhia de Jesus, e foi para a China; e Inácio de Almeida Queimado, nascido em 13 de Junho de 1615, que se fez frade crúzio, com o nome de D. Inácio da Trindade.

Este D. Inácio era tio de D. Angélica de Almeida de Eça, a quem deixou a capela de Alquerubim.

Aveiro, 2 de Fevereiro de 1937.

FRANCISCO FERREIRA NEVES

 

 

Página anterior

Índice

Página seguinte

págs. 133-139