Muito boa tarde a todos.
Na tentativa de não vos
maçar com redundâncias ou comentários espontâneos menos propositados,
irei ler a minha intervenção, procurando centrar-me na importância do
que aqui nos traz mais do que nas minhas divagações.
O Professor Henrique de Oliveira não me conhece. Já nos cruzámos nas
reuniões de formadores da Academia de Saberes, mas não tivemos ainda a
oportunidade para discutir o nosso interesse comum pela História,
sobretudo a de Aveiro.
Fui convidada pela Academia
de Saberes para abrir a sessão de lançamento deste livro, julgo que pelo
reconhecimento do meu interesse e, simultaneamente, da minha ignorância,
expressos no nome que dou à visita de estudo que tenho vindo a realizar
– “Visita Especulativa à Muralha de Aveiro”.
Agradeço o voto de confiança
e a oportunidade.
Devo dizer-vos que eu já
ganhei, pelo acesso que tive a este livro.
Vou procurar, com
honestidade e entusiasmo, transmitir-vos o impacto que esta publicação
teve em mim, esperando com isso suscitar a curiosidade dos presentes.
O Professor Henrique de
Oliveira explica a génese deste livro, começando pelas suas causas mais
próximas e logo pelas mais remotas. Aqui, opto por inverter a ordem, por
me parecer mais adequado à interacção que tenho com o tema.
À medida que cresci fui
reconhecendo o meu espaço e o espaço do outro. Observei a minha cidade e
dela conservo as minhas memórias históricas.
Comparando com outras
cidades que tinham o sortilégio de me deslumbrar pela sua história que,
então, me parecia mais robusta, mais monumental, mais antiga ou mais
presente, mas sempre mais espectacular, pensei estar a sofrer do mal da
“galinha da vizinha ser melhor do que a minha…”
Aveiro, com ocupação desde,
pelo menos, 959, é uma cidade madura. Contudo, tal como o vento que
sempre a assola (como se a capela de S. Bartolomeu abrisse quase todos
os dias), também a dinâmica da renovação da cidade tem sido uma
constante. Muitas vezes, de forma tão drástica, que se perderam
testemunhos materiais de longos séculos, conferindo a Aveiro um ar de
permanente actualidade.
Àqueles que nos visitam,
sugerimos um passeio pela Universidade, com os seus emblemáticos plano
de pormenor e edifícios, de autores de renome; ou um passeio pelo casco
antigo, ao referirmo-nos à pitoresca Vila Nova, vulgo bairro da
Beira-Mar.
É curioso constatar as
permanências entre esta minha visão com outra, incluída nestas “Memórias
de Aveiro”, num texto de propaganda da cidade, redigido em 1939 por
um grupo de excursionistas do Teatro Aveirense, onde se lê:
“Aveiro não é uma cidade
notável pelos seus monumentos. Nem pelos grandiosos aspectos urbanistas
próprios das capitais modernas.
É pequenina, humilde,
popular.
O seu atractivo, a sua
grande riqueza, a sua maior curiosidade é a Ria.”
Precisei de amadurecer, para
procurar na minha cidade as minhas raízes, entrelaçadas nas suas. As
principais respostas encontrei-as na toponímia e, sobretudo, nos textos
e fotografias que amavelmente autores de outros tempos nos deixaram. A
primeira dá pistas que nem sempre reconhecemos (para não dizer quase
nunca, no meu caso), e logo requer respostas vindas de parcos mas
eloquentes textos e fotografias de acesso remoto.
Hoje, reconheço o traçado
dos nossos muros e das suas portas, com alguma exactidão. Não nas suas
formas tangíveis, mas pelo seu índex no tecido urbano actual.
Não sou historiadora, sou
arquitecta. Como tal, procuro na História a operatividade necessária à
minha actividade. Como aveirense, procuro a minha identidade.
E este livro aborda várias
especializações da História. Serve os que procuram pormenores
específicos e os adeptos da cultura geral.
Partilho convosco uma
“descoberta” que fiz na página 73, na transcrição da “Memória Sobre
Aveiro” do Conselheiro José Ferreira Cunha e Sousa. Quando li:
“… era venerada na igreja
[de S. Miguel] uma imagem de Nossa Senhora, da invocação da Graça;
transferida para a igreja de S. Domingos, foi crismada em Nossa Senhora
da Glória e ficou sendo o orago da freguesia. Esta mudança de invocação
far-se-ia por ser nome próprio da rainha Senhora Dona Maria Segunda –
Maria da Glória? Não sei.”
Diz Cunha e Sousa, e
acrescenta:
“Ela algum motivo teve,
qual não sei, sendo certo que ao tempo o partido da Rainha e da Carta
estavam então em toda a sua pujança.”
E pensei eu: “ora aí está, juntamente com “o Absolutista”, manda-se para
o exílio o Santo do mesmo nome e invoca-se a Rainha de jure. Será?”
Esperei pouco pela resposta.
Chegou, em nota de rodapé, na página 136, acompanhando o comentário de
Francisco Ferreira Neves sobre a cópia que Souza Brandão publicou da
monografia de Cristóvão de Pinho Queimado “Memória sobre a villa de
Aveiro” onde se lê:
“O motivo por que
demoliram a igreja de S. Miguel foi o ter por orago S. Miguel, nome do
rei deposto. Pela reunião das duas freguesias – S. Miguel e Espírito
Santo –, devia a freguesia ter por orago S. Miguel, por ser a mais
antiga das duas; mas, em homenagem à Rainha (D. Maria da Glória, filha
de D. Pedro IV), mudaram-lhe o orago para Senhora da Glória. Na igreja,
não há nem houve imagem com essa invocação.”
Em suma, este livro traz à
luz um compêndio de extraordinários textos e imagens sobre a nossa
cidade e a nossa identidade, favorecendo o acesso generalizado a este
valioso repositório, que aproxima a cidade do cidadão.
Cada vez mais a História se
vem complementando com várias estórias: pessoais, comuns, científicas e
emotivas. As novas tecnologias permitem-nos conservar este espólio
monumental, mais do que alguma vez os humanos recursos analógicos. No
entanto, é da síntese da História grandiosa comum com as impressões
pessoais que entendemos a nossa identidade e a do outro.
Partilho da visão
prospectiva do Professor Henrique de Oliveira, quando apela à urgência
de conservar o melhor possível e tanto quanto possível tudo o que
conseguirmos. Se não for para nós, poderá vir a ser útil para outros.
Também neste sentido, para mim, este trabalho é relevante e pertinente.
Oferecer algo que não fica refém do momento, antes tece laços entre o
passado e o futuro, é construir alicerces da cultura de um povo.
Pela mão do Professor
Henrique de Oliveira, na nossa Academia de Saberes cresceu a
Informática, desde a Inicial à Avançada, passando pela Prática, abrindo
janelas de futuro a quantos passaram nas suas aulas. Agora, oferece-nos
uma janela virada para o passado da nossa cidade que, seguramente,
contribuirá para um futuro mais esclarecido.
Por tudo isto, ao Professor
Henrique de Oliveira e aos formandos de Informática Avançada, à Academia
de Saberes de Aveiro e a todos quantos participaram neste projecto, o
meu bem-haja e a minha gratidão.
Aveiro, 29 de Outubro de
2021
Sara B. Matias |