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Memória sobre Aveiro do Conselheiro José Ferreira da Cunha e Sousa

II - Administração antiga, antigas autoridades, etc.

A vila de Aveiro, elevada à categoria de cidade por carta régia de 25 de Julho de 1759, era cabeça de bispado, como foi até 1882, sede vacante, de correição e de provedoria. Tinha juiz de fora, que era presidente da Câmara, pois que no regime antigo todas as câmaras municipais eram presididas pelos respectivos juízes, ou estes fossem territoriais, isto é, eleitos por um ano, dentre as pessoas que costumavam andar na governança, e destes era o maior número, quer fossem juízes letrados, nomeados pelo governo, chamados vulgarmente juízes de fora, porque não podiam ser naturais do julgado em que serviam.

Limitadíssima era a área do concelho e julgado na, para assim dizer, respectiva metrópole, pois que findava pelo norte e poente na ria, ilhas e marinhas, que ainda hoje pertencem às freguesias da cidade, excluindo a costa de S. Jacinto, que era pertença da de Ovar, assim como todo o areal, além da barra, até ao marco de Mira.

Pelo nascente terminava a cidade e concelho ao Carmo, pois que já o convento de Sá, sobre cujas ruínas está edificado o quartel militar e todo o lugar daquele nome, até pouco além da capela do Senhor, das Barrocas, era uma ouvidoria pertencente ao concelho de Ílhavo. Estendia-se o concelho de Aveiro para sudeste, abrangendo os lugares da Presa, Quinta do Gato, Vilar, e S. Bernardo, até ao marco onde começava o concelho de Eixo. Para o sul, findava na Estrada Nova, um pouco além da Fonte dos Amores, confinando por aí, com o microscópico concelho de Arada, formado apenas da povoação deste nome, porque os lugares de Verdemilho, Bom Sucesso, e Quinta do Picado, embora pertencentes à freguesia de S. Pedro das Aradas, faziam parte do concelho de Ílhavo.

Mas, se a cidade não tinha, adjunto senão o território das suas quatro freguesias, o mesmo que hoje pertence às duas da Vera Cruz e Nossa Senhora da Glória, tinha, no entanto, catorze ouvidorias, formadas por diversas povoações intercaladas nos diferentes concelhos da respectiva comarca, constantes da relação que adiante se juntará. Estas ouvidorias eram as que davam alguma importância ao julgado, pois que nelas exercia jurisdição o juiz de fora da cidade, e serviam os seis escrivães do cível e crime, além do que era privativo dos órfãos.

O corregedor exercia jurisdição na comarca, que era composta de trinta e oito concelhos, advertindo, porém, que a vila de Mira, por ser pertencente à Casa das Rainhas, gozava do privilégio de formar por si uma comarca, sendo, porém, o seu corregedor o da comarca de Aveiro, por não poder, em razão da sua pequenez, manter pessoal privativo. Eram duas correições e uma só  provedoria, pois que o provedor era-o também de Vila da Feira, tendo esta só corregedor privativo.

À comarca de Aveiro pertencia o concelho de Fermedo, situado no interior da comarca de Vila da Feira, e a esta, o de Macieira de Alcoba, encravado na comarca de Aveiro. Também se achavam encravados na comarca de Aveiro os concelhos de Eixo, Paus (pertencente à freguesia de Alquerubim), Óis da Ribeira, e Vilarinho do Bairro, concelhos reunidos para os efeitos da administração judicial, com um juiz de fora para todos que pertenciam à comarca de Barcelos.

Além destes magistrados, havia o superintendente das obras da Barra, o dos tabacos, e o da décima. Havia também na cidade capitania-mor de ordenanças com quatro companhias correspondentes às quatro freguesias da cidade, uma em S. João de Loure, outra em Albergaria-a-Velha, outra em Lamas do Vouga, havendo mais a anomalia de pertencer à companhia de S. Miguel de Aveiro o lugar da Taipa, freguesia de Requeixo. Ainda falta declarar, o que adiante se juntará, a relação de todos os concelhos que formavam as duas comarcas de Aveiro e Feira, com o nome das respectivas povoações, assim como os nomes das ouvidorias pertencentes ao julgado e concelho de Aveiro. Igualmente ainda falta juntar mapas elucidativos desta divisão territorial que vigorou até 1835. E, pois que temos falado, e continuamente teremos ainda de falar em comarcas, concelhos e julgados, com referência aos tempos anteriores a 1834, para esclarecimento de quem ignorar a diferença que existe entre as antigas e as actuais circunscrições territoriais com o nome de comarcas, achamos conveniente dizer o seguinte:

Pelo antigo regime, estava o reino dividido em comarcas, que se compunham de diversos concelhos, julgados e ouvidorias. Cada comarca tinha ordinariamente um corregedor e um provedor, magistrados, cada um com diversas atribuições judiciais e administrativas; eram superiores aos juízes dos respectivos concelhos ou julgados.

Os concelhos tinham regularmente um juiz ou letrado, denominado juiz de fora, ou leigo, e em alguns destes, dois juízes leigos que se alternavam no serviço. As varas eram brancas para os juízes letrados, e vermelhas para os leigos, que eram chamados juízes ordinários.

Os juízes presidiam às Câmaras municipais. Havia concelhos reunidos, formando um só julgado, isto é, tendo um só juiz de fora para todos eles. Havia concelhos pertencentes a uma comarca, com a qual não confinavam, achando-se intercalados em comarcas diferentes, e assim, havia também povoações destacadas dos concelhos a que obedeciam, intercalados em outros: eram as ouvidorias ou vintenas, com um juiz pedane, de limitadíssima jurisdição. No distrito actual de Aveiro havia, pois, duas comarcas, a de Aveiro (outrora de Esgueira), e a da Feira, cada uma com seu corregedor, mas com um só provedor, o de Aveiro, como dito fica. Eram duas correições e uma só provedoria.

Os juízes julgavam no cível e crime e órfãos; no que tocava ao cível e crime, eram subordinados ao corregedor; quanto a órfãos, ao provedor. Todas estas autoridades tinham atribuições judiciais, administrativas, e de fazenda, mas no regímen constitucional foram estas atribuições separadas, ficando aos juízes de direito os negócios cíveis, de crime e orfanológicos; e os administrativos aos governadores civis, administradores de concelho, e regedores de paróquia, os quais ficaram substituindo desde 1835 os prefeitos, subprefeitos, e provedores, que administravam províncias em lugar de distritos, províncias que estavam divididas, ou retalhadas, em subprefeituras e estas em concelhos. Em alguns concelhos havia antigamente juiz privativo dos órfãos.

Diz-se acima que o concelho de Aveiro confinava com o de Eixo, onde agora confina com a freguesia da Oliveirinha, e realmente assim era, porque esta freguesia foi criada posteriormente a... de……. (2). Como naquele tempo todas as terras tinham senhorios, fidalgos, conventos, bispos, cabidos, etc. A razão destas intercalações provinha de se juntarem em uma só jurisdição territórios que, embora separados da terra principal, pertenciam ao mesmo senhorio, sem se atender ao bem-estar dos povos.

 
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(2) A freguesia da Oliveirinha, por desmembração da de S. Isidoro de Eixo, foi erecta em 12 de Agosto de 1849. FERREIRA NEVES.

 

 

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