Andavam por aí uns escritos fundamentais sobre a história
de Aveiro, pouco acessíveis ao público em geral. Em tempos, Francisco
Ferreira Neves tinha-os publicado no
Arquivo do Distrito de Aveiro,
esse alfobre documental que qualquer estudioso da nossa região deve
revisitar a preceito. Em boa hora Henrique J. C. de Oliveira e a
Academia de Saberes puseram mãos à obra e transcreveram
A Memória Sobre Aveiro,
do Conselheiro José Ferreira da Cunha e Sousa e a notável
Memória sobre a Villa de Aveiro,
de Pinho Queimado. Acrescentou-se um pequeno texto de Francisco Ferreira
Neves sobre
A Memória
de Queimado, um texto de Alberto Souto sobre
Aveiro e Arredores
em 1912, um outro sobre
Aveiro em 1939,
de um Grupo de trabalhadores do Teatro Aveirense, e ainda um trabalho de
Diamantino Dias,
Toponímias de Antanho.
A tudo isto, que já não era pouco, juntou-se um notável conjunto
fotográfico que urgia divulgar.
Comecemos por apresentar a
Memória Sobre a Villa de Aveiro,
de Pinho Queimado, por razões de ordem cronológica. É um documento
seiscentista, do reinado de D. Pedro II, que foi publicado, pelo menos
por duas vezes, ao longo do século XIX. Apresenta-nos Aveiro, ainda
vila, quando a decadência se acentuava em virtude do crescimento do
cordão litoral e a barra de Aveiro andava errante pelos areais da
Vagueira. A laguna retinha águas pouco recomendáveis e as febres e
outros achaques ceifavam vidas, levando à míngua da população. Das
possíveis doze mil almas de finais do século anterior, restavam agora,
talvez, quatro ou cinco milhares. É esta Aveiro decadente, mas cheia de
institutos religiosos e de casas nobres, que Pinho Queimado nos
apresenta. Mas revela também contactos com quem sabia de enxugar
pântanos e conquistar terras ao mar (os holandeses) para resolver o
problema fundamental: a estabilização da barra de Aveiro.
Já da
Memória Sobre Aveiro
do Conselheiro José Ferreira Cunha e Sousa seria útil ter-se acesso ao
manuscrito, que diz Francisco Ferreira Neves, em 1940, «É
hoje propriedade minha um manuscrito que contém uma Memória inédita
sobre a cidade de Aveiro, relativa ao século XIX».
Onde pára esse manuscrito? Foi, entretanto, trabalhado por alguém?
Para além destas perguntas fica o fundamental. Para
produzir uma monografia, ou outro texto historiográfico sobre Aveiro do
século XIX, é imprescindível consultar esta
Memória.
Das curiosidades às informações úteis, de tudo um pouco, e às vezes de
forma avulsa, se encontra no texto do Conselheiro. Pena é que,
certamente por ter sido escrito já em avançada idade, por vezes as datas
falhem. Pena também que as referências ao Liceu de Aveiro sejam tão
parcas. Mesmo sobre o funcionamento do mesmo só nos diz: «Este
foi primitivamente colocado no convento de Santo António, passando para
a sua casa actual entre 1860 e 1864».
Muito pouco para uma obra fundamental da cidade, quase nada para um
edifício histórico do ensino em Portugal: foi o primeiro a ser
construído de raiz para os fins a que se destinava.
E não é menos certo que o texto finda de forma abruta. Na
última página do documento, Cunha e Sousa escreve (ou dita) «Adiante
se juntarão memórias relativas ao nome e número de frades que habitavam
nestes conventos, aos seus respectivos rendimentos, como outras notícias
que lhes dizem respeito.»
Pois não se juntaram essas memórias e, pouco depois, o texto termina com
uma frase do próprio Ferreira Neves (Fim do texto manuscrito). Que terá
acontecido? Perdeu-se parte do manuscrito? Por motivos que desconhecemos
o mesmo não foi concluído?
Os outros dois documentos, sobre Aveiro de 1912 e Aveiro
em 1939, são testemunhos datados sem a importância dos anteriores.
Servem para nos dar, tão-somente, umas pinceladas impressionistas no
retrato geral de uma cidade em crescimento. Já as
Toponímias de Antanho,
de Diamantino Dias, são um documento de extrema utilidade para quem
queira mergulhar fundo na História milenar de Aveiro. Cotejando nomes
antigos com os de hoje, o autor indica nomes que caíram em desuso, mas
que acrescentam bastante ao conhecimento da cidade.
Em conclusão: trata-se de um conjunto
documental que honra em primeiro lugar os aveirenses de variadas épocas
que os foram escrevendo, mas também quem se deu ao trabalho de compilar
e transcrever uns quantos textos que são fontes importantes para a
História da Cidade. Agora reunidos, que sejam trabalhados. Mãos à obra!
Alcino Martins de Carvalho |